Investigação

Cirurgia plástica: PCMG averigua 10 denúncias de complicações graves em BH

Conselho de odontologia afirma que dentista não apresentou certificação exigida para procedimentos de harmonização orofacial; defesa nega acusações

Por Aline Diniz e Gabriel Rezende
Publicado em 25 de março de 2024 | 19:33
 
 
Mulheres têm complicações após cirurgia de lipo de papada em clínica de BH Foto: Arquivo pessoal / reprodução

Pelo menos dez mulheres já procuraram a Polícia Civil para denunciar complicações após procedimentos estéticos como cirurgias de lipo de papada — retirada de gordura — realizados pela suposta cirurgiã-dentista Camila Groppo. Conforme denunciantes, os procedimentos ocorreram em dezembro de 2023. No entanto, as pacientes ainda sofrem com consequências do pós-operatório que, segundo elas, foram causadas pelos procedimentos estéticos. O diploma de Camila aparece como desativado no site do  Conselho Regional de Odontologia (CRO). O órgão, por meio de nota, informou que ela também não apresentou certificações de cursos de pós-graduação que a permitissem realizar procedimentos como a harmonização orofacial (veja a nota ao fim da matéria). Já a defesa da dentista garantiu que ela tem todas as certificações e que as complicações do pós-operatório podem ter várias razões (leia o posicionamento completo ao final da reportagem).

A Polícia Civil informou à reportagem que apura o caso e que algumas supostas vítimas estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) para fazer o exame de corpo delito nesta segunda-feira (25). A clínica onde a investigada trabalhava, no centro de Belo Horizonte, foi interditada pela vigilância sanitária do município no dia 11 de março. Conforme a PBH, “foi notificado um possível surto de micobactéria não tuberculosa de crescimento rápido”. Um representante da dentista negou, na última quinta-feira (21), as acusações. Ele informou à reportagem que a dentista tem diploma e prestou assistência a todas as pacientes que a procuraram (veja mais abaixo). 

Relatos de supostas vítimas

A autônoma Juliana Moraes Fernandes, de 40 anos, revela que conheceu Camila pelo Instagram. “O que me chamou a atenção é que ela se dizia ser muito experiente, dizia já ter realizado mais de 2.000 procedimentos e também o preço mais acessível. O que foi um grande erro meu. No dia 11 de dezembro de 2023, eu fiz a lipo de papada”. Quando iniciou os tratamentos do pós-operatório, outra profissional, segundo Juliana, percebeu um inchaço, além de um nódulo e a temperatura elevada. “Camila examinou, disse que era normal e me receitou três dias de anti-inflamatório. A partir daí, conforme o relato, a situação só piorou. A profissional que acompanhava o pós-operatório, na mesma clínica de Camila e indicada por ela, chegou a perguntar se a autônoma tinha plano de saúde e disse que o melhor seria procurar um médico. “Camila foi muito ríspida, ela estava viajando e  falou que ia mandar um parente policial me expulsar do consultório”, contou Juliana. 

A autônoma, então, começou outra saga. Em alguns hospitais, ela foi informada de que precisaria procurar a profissional que fez o procedimento. Quando a situação estava muito grave, ela conseguiu atendimento em um hospital público. “Já estou com cinco cicatrizes, fui encontrando outras mulheres atendidas nos mesmos locais que eu. Conseguimos descobrir a bactéria porque, até então, a gente não sabia qual era a bactéria. Camila sempre se negou a ajudar. Me bloqueou no Instagram, no WhatsApp, não me ajudou a pagar o ultrassom. Com muito custo, consegui convencer o marido dela a me devolver o dinheiro. Fora esse dinheiro, que já era meu, eles nunca me ajudaram”. O tratamento para a bactéria resistente deve durar cerca de um ano, segundo a denunciante.

Em dezembro de 2023, outra mulher, que terá a identidade preservada, foi até o consultório de Camila para realizar o sonho de tirar a gordura da papada. Desde então, ela conta viver dias difíceis. “Nada resolve (hospital nem antibióticos). Estou de mãos atadas”, lamenta. Ela é uma das denunciantes que já esteve na Polícia Civil e realizou o exame no IML. “Estamos contando com a Polícia Civil para que ela [dentista] não saia impune, porque é muito sofrimento. Somos mães de família. Muitas perderam o emprego, devido a problemas de saúde, que resultaram em muitos atestados. Muitas estão internadas. A gente está com o rosto todo defeituoso, cheio de buracos, cicatrizes”.

Cuidados antes de fazer uma plástica

O membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e médico perito judicial Eduardo Cabral Costa aconselha que os interessados em procedimentos estéticos certifiquem-se da escolha do profissional. A maneira mais segura é consultar se a pessoa tem inscrição no site cirurgiaplastica.org.br. Costa afirma que “não é só achar no Instagram”.

Para que um médico esteja apto a realizar cirurgias plásticas, ele precisa de 12 anos de estudo. “São seis anos de medicina, três de cirurgia geral e mais três de cirurgia plástica”, explica. O médico exemplifica que, por exemplo, um otorrino que não tem toda a preparação pode ter dificuldades de controlar uma pneumotórax — entrada de ar no espaço entre as costelas e o pulmão — caso precise retirar cartilagem de uma costela. “Vejo que, cada vez mais, as pessoas preferem atalhos. A preocupação deve ser com o ser humano. Um botox pode parecer simples, mas se injetado em uma artéria, por exemplo, pode levar à cegueira”, esclarece o perito e médico cirurgião plástico. Ela alerta também para o perigo de necroses em alguns procedimentos.  

No caso dos cirurgiões-dentistas, o CRO informa que eles precisam “estar devidamente habilitados com cursos de pós-graduação, a nível de especialização”.

Famosa nas redes sociais 

Camila Groppo tem quase 12 mil seguidores nas redes sociais e se autodenomina especialista em lipo de papada e bichectomia. A profissional já teria atuado em cerca de 2.000 cirurgias.

O que diz a dentista Camila Groppo

Em nota, o advogado Vinicius Xingó Tenório de Oliveira, responsável pela defesa de Camila Groppo, afirmou que a profissional aguarda a regularização da inscrição definitiva junto ao Conselho Regional de Odontologia (CRO) e garantiu que ela possui as certificações necessárias para realizar o procedimento de lipo de papada. Também afirmou que o procedimento infeccioso em pós-procedimento pode ter “várias razões” e que é “prematuro atribuir culpa à conduta da profissional”. 

Nota completa:

A defesa da odontóloga Camila Groppo alega que ela, ao contrário do que está sendo divulgado, sempre esteve regular perante o CRO (Conselho Regional de Odontologia), tendo em vista que deu entrada na sua inscrição provisória em 2022,  que perdurou até 08/03/2024. Neste momento, aguarda a regularização da sua inscrição definitiva . 

A defesa reitera que a dentista possui a formação necessária para realizar os procedimentos e, inclusive, o curso de lipo de papada realizado possui  a chancela do MEC (Ministério da Educação). 
Sobre o material veiculado pela mídia, o processo infeccioso em pós procedimento pode ter várias razões, por isto, é prematuro atribuir culpa à conduta desta profissional, a qual está à disposição dos órgãos para um esclarecimento melhor dos fatos.

A  lipo de papada, é procedimento consagrado pela odontologia desde 2019, por meio da Resolução do CFO 198/19. Ademais, a odontóloga sempre agiu com zelo, cuidado e atenção aos princípios de segurança e de segurança ao paciente.

Por fim, segundo o advogado Vinícius Xingó, que representa a dentista, a defesa ainda não obteve acesso à integra dos depoimentos e irá se manifestar após o acesso aos autos.

Orientação da Polícia Civil 

A PCMG solicita a todos que tenham sido lesados que compareçam à delegacia de polícia mais próxima para propor a devida representação criminal, considerando que o crime de lesão corporal, a depender do grau da lesão, é condicionado à representação das vítimas, conforme previsão legal, para a devida investigação. Além da representação, é importante que as vítimas sejam submetidas ao exame de corpo e/ou apresentem prontuário médico e outros documentos que auxiliem na comprovação das lesões e outros possíveis crimes.

O que diz o Conselho Regional de Odontologia (CRO)

“O Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG) esclarece que à época do registro feito pela inscrita, o prazo para apresentar o diploma e converter a inscrição provisória em definitiva era de dois anos a contar da data de colação de grau. Neste sentido, o prazo para regularização da mesma era de 11 de abril de 2022 a 05 de março de
2024. Por não ter apresentado o diploma do curso em tempo hábil, a inscrição da mesma foi desativada/caducada, não tendo havido solicitações adicionais para mudança do tipo de inscrição.

A Resolução CFO 257, de 24 de agosto de 2023, reduziu o prazo da inscrição provisória de dois anos para seis meses para novos registros feitos a partir do dia 11 de setembro de 2023. Neste sentido, inscrições realizadas anteriormente, não se enquadravam na nova regra.Com o registro desativado/caducado a profissional não pode exercer a odontologia, nem mesmo fazer cursos.

Conforme informado anteriormente, os cirurgiões-dentistas devem estar devidamente habilitados com cursos de pós graduação, a nível de especialização, como Harmonização Orofacial, para realizar procedimentos de lipo de papada mecânica, e o estabelecimento deve obter as condições sanitárias adequadas para realização, bem como alvará sanitário
pertinente. Todos os demais procedimentos são pertinentes à especialidade de Harmonização Orofacial, carecendo de pós-graduação nessa área. O CRO-MG salienta que a profissional em questão não tem nenhuma especialidade registrada junto ao Conselho”.

O que diz a Prefeitura de Belo Horizonte

A Prefeitura de Belo Horizonte informa que o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs-BH) foi notificado sobre um possível surto de microbactéria não tuberculosa de crescimento rápido na clínica. Para verificar as condições do local, a Vigilância Sanitária (VISA) foi imediatamente acionada e compareceu ao estabelecimento para avaliar a situação. 
 
No dia 11 de março, foi realizada a interdição do local, com sede na Rua da Bahia, 1032, sala 704, por apresentar irregularidades que colocam em risco a saúde dos pacientes. O estabelecimento segue fechado e totalmente interditado. O CRO acompanha a averiguação da PBH e proibiu atendimentos no local.