Os movimentos sociais que surgiram nos últimos anos em Belo Horizonte com o objetivo de influenciar os rumos da política urbana decidiram se unir em um coletivo, para que a luta pela cidade que querem passe também a ser disputada dentro da política formal. O coletivo Muitxs – Cidade que Queremos quer ampliar a participação da população nas decisões do município e conta ainda com professores universitários e funcionários públicos de carreira, que darão suporte técnico às ações.
A proposta é lançar candidaturas para o Legislativo e o Executivo municipais, que tenham o aval da sociedade e que se comprometam com as propostas que serão apresentadas pelos moradores por meio de uma plataforma na internet. O principal desafio é fazer com que a estratégia resista ao atual sistema político-partidário brasileiro.
A plataforma já está disponível no site muitxs.org. Lá, qualquer cidadão pode apresentar a proposta que quer ver representada por uma candidatura. Na página, ele também tem o direito de votar nas ações apresentadas por outros cidadãos, para ajudar a escolher quais serão as prioridades do candidato. Entre as propostas já colocadas, estão a criação de um sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a creche em período integral e o aterramento da rede elétrica
A ideia é que, depois de votadas, essas sugestões sejam debatidas por grupos técnicos que analisarão se jurídica, técnica e financeiramente elas são viáveis.
Áurea Carolina, integrante do coletivo, explica que a ideia é fazer com que o cidadão tome as decisões sobre a cidade, porém com a preocupação de traduzir o desejo da maioria. “As propostas não são prontas. Elas são debatidas, criticadas, revisadas e vão se transformando, ao longo do processo, para que se tornem possíveis de serem implantadas”, afirma.
Ao fim desse processo, as propostas refinadas vão compor o plano de governo a ser defendido pelo candidato que irá representar o coletivo e que será escolhido também por meio de votação. Ao todo, 60 pessoas já são pré-candidatas do coletivo para os cargos de vereador e prefeito.
Análise. O arquiteto e urbanista Sérgio Myssior avalia que a ação pode gerar um sentimento de pertencimento à população. “Isso é um amadurecimento. O cidadão vai não só perceber que ele vivencia a cidade, mas que pode colaborar para a sua melhoria e, mais do que isso, se sentir responsável pelo avanço da política urbana e dos serviços”, destaca.
Myssior pondera, porém, que esse modelo não substituiu as esferas formais hoje existentes, mas “influencia, altera e provoca as mudanças nessas estruturas”.
Associações se mantêm fortes
O coletivo Muitxs – Cidade que Queremos surgiu da união entre diversos grupos, como o Tarifa Zero, que luta pela melhoria do transporte público, o Resiste Izidora, focado no direito à moradia, a Praia da Estação, que atua no direito à ocupação dos espaços públicos, e outras associações que fazem parte da realidade de Belo Horizonte e já conseguiram vitórias pontuais.
Esses grupos são, em parte, responsáveis, por exemplo, pela revitalização do Carnaval de rua na cidade, por impedir o cumprimento de ordens de reintegração de posse em ocupações urbanas e até por barrar temporariamente o reajuste do preço da passagem de ônibus na capital. Agora, a aposta é ampliar a forma de atuação, mas sem perder o trabalho que já é realizado.
“A entrada para a política formal não quer dizer que as outras formas de atuação dos movimentos percam o protagonismo. Eles continuam a existir para além do coletivo, é só mais uma frente de batalha para lutarmos pelas as ações que queremos ver implantadas na cidade”, explica Roberto Andrés, professor da Escola de Arquitetura da UFMG e membro do coletivo. (BM)
Inspiração vem de ação feita na Espanha
A iniciativa do coletivo Muitxs é, em parte, inspirada na atuação do Podemos, na Espanha. O partido espanhol foi criado em 2014, no contexto da crise econômica vivida no país. Militantes e intelectuais espanhóis se reuniram para criar uma alternativa eleitoral para contrapor às políticas de austeridade implantadas pela União Europeia, tratadas como remédio para enfrentar a crise.
Ainda em 2014, o Podemos lançou candidaturas ao Parlamento espanhol, seguindo três condições: receber o apoio de ao menos 50 mil pessoas, que as candidaturas e o programa político fossem conduzidos pela participação popular, e que estivesse aberto a buscar unidade com outros partidos e movimentos.
Na primeira eleição, o grupo se transformou no quarto maior partido do Parlamento espanhol, com um total de 8% das cadeiras. Em 2015, o Podemos fez aliança com outro partido, o Ciudadanos, e conseguiu formar maioria para governar Madrid e Barcelona. (BM)