O Governo de Minas Gerais entrou esta semana com um recurso contra a decisão da Justiça de Minas Gerais que suspendeu a transferência da delegada Monah Zein para Curvelo, cidade da região Central de Minas Gerais. A decisão que o Estado tenta reverter foi proferida no dia 18 de novembro, três dias antes da policial passar 31h trancada em seu apartamento, no bairro Ouro Preto, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, negociando com policiais após ter atirado contra colegas de profissão.
Nas 27 páginas do recurso, que foi protocolado no último dia 18 de dezembro pelo procurador Marco Túlio de Carvalho Rocha, o Estado defendeu o direito de remover a policial de cidade como forma de "disciplina", citando que, inclusive, isso teria sido uma recomendação da Corregedoria e que a punição estaria prevista na Lei Orgânica da Polícia Civil.
"É cediço que a movimentação do servidor público, no plano da esfera administrativa do Poder Público, é ato discricionário e deve se lastrear no interesse, conveniência e oportunidade", escreveu o promotor.
No recurso, ele ainda relembra alguns dos processos internos abertos pela Polícia Civil contra Monah, em especial o que motivou seu afastamento para a cidade do interior, quando ela foi acusada de se ausentar da delegacia por cerca de 4h durante a lavratura de um Auto de Prisão em Flagrante (APF).
Por outro lado, os advogados da delegada argumentaram, no mesmo processo, que, na verdade, o próprio sistema da Polícia Civil registrou que Monah só teria saído da delegacia por pouco mais de 1h, tempo do intervalo de seu almoço.
No processo que levou à suspensão dessa remoção, a defesa também alegou que a Sindicância Administrativa do caso foi aberta em um dia e, no outro, aconteceu a Reunião Extraordinária do Conselho que acabou determinando a punição com o envio dela para Curvelo.
Desde o episódio em que a delegada ficou trancada em casa, a Polícia Civil alega que a operação com dezenas de policiais envolvidos ocorreu devido ao risco de suicídio, mas, por outro lado, a delegada denuncia ter sofrido assédio e perseguição dentro da instituição policial.
A reportagem de O TEMPO tentou contato com a defesa da policial, mas, até o momento, os advogados não se manifestaram sobre o recurso do Governo de Minas.
Relembre o caso
Os primeiros policiais chegaram ao endereço da delegada por volta das 9h do dia 21 de novembro e subiram as escadas do prédio equipados com escudos de proteção. Houve um contato entre a policial e os demais agentes, que tentaram disparar um taser contra ela.
A mulher, em seguida, teria efetuado pelo menos três disparos, sem atingir nenhum policial. Desde então, ela se trancou no apartamento e ficou incomunicável. A informação sobre os tiros foi confirmada pela Polícia Civil em nota.
Versão da delegada
A servidora realizou uma live durante a tarde desta terça-feira (21), mostrando parte da abordagem e da negociação feita pelos policiais. Na transmissão, ela acusou vários servidores da Polícia Civil de assédio. "Eles tiraram minha saúde, vocês não têm ideia do que fizeram. Foi torpe, foi vil", disse. Ela afirmou ainda que a entrada dos policiais em seu prédio é uma violação. "Eles não têm mandado [judicial]. Agora, eu que estou presa em cativeiro", continuou.
Monah relatou, durante o vídeo, que deveria ter voltado para o serviço nesta terça-feira (21). No entanto, não quis comparecer à delegacia. "Isso é um absurdo, eles tiram a minha vida e vêm aqui. Trabalho para pagar psiquiatra e advogado", disse. Monah esclareceu que, em nenhum momento, disse que tiraria a própria vida. "Não tenho coragem de tomar banho [por ter medo do meu apartamento ser invadido], querem que eu entregue minha arma. Como vou ficar aqui desarmada?", questionou.
Durante a noite, em um post nas redes sociais, ela afirmou a Polícia Civil transformou a situação em um “teatro adoecedor”. Ela também criticou a presença dos policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) à porta de sua casa, negou ter pensado em cometer suicídio e acusou a instituição de assédio.
"Nem traficante passa por essa humilhação às 23h. Retirem essas pessoas da porta da minha casa", solicitou a delegada. Além disso, expressou sua intenção de dormir e, no dia seguinte, buscar "o Exercício" ou "mudar de cidade". "Estão perturbando meus vizinhos, fazendo parecer que sou louca. Nem criminoso passa pelo que estão fazendo comigo", acrescentou a delegada.
Versão da Polícia Civil
O porta-voz da instituição, o delegado Saulo Castro, justificou que as equipes foram até a residência após terem acesso as mensagens da servidora, que sugeriam uma situação de risco contra a própria vida dela.
“Nesse sentido, os próprios colegas do local de trabalho vieram para cá acompanhados dos profissionais do nosso Centro Biopsicossocial, no intuito de acolher a colega e preservá-la", argumentou durante coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira (22).
Ainda conforme Castro, a conversa inicial não teria se "desdobrado" como a polícia imaginava. "A colega estava um pouco mais exaltada e, diante desse cenário de crise, a partir dos protocolos a Polícia Civil julgou necessário chamar a Core, para iniciar essa negociação", completou.
Negociações e mãe da delegada
A mãe da delegada Monah Zein chegou ao apartamento da filha após viajar do Paraná até Minas Gerais na noite de terça-feira (21). A familiar de Monah entrou pela garagem do prédio sem falar com a imprensa em uma viatura da Polícia Civil.
Os policiais decidiram procurar familiares da delegada com o objetivo de convencê-la a deixar o apartamento. Há preocupação com o quadro de saúde dela. A mãe pegou um voo às pressas, desembarcou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, e recebeu escolta policial até o apartamento. Nas redes sociais, a delegada questionou a estratégia dos policiais. “Pegam uma mãe que não entende que eles não são meus amigos. Cabeça explodindo”, publicou.
Fim das negociações
Após deixar a residência no fim da tarde desta quarta-feira (22), a delegada foi levada por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para um hospital da capital, onde permanece internada.
** Com informações de Alice Brito e Vitor Fórneas