O fechamento do aeroporto Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte, vai adiar o sonho de uma estudante em concluir a graduação de piloto de linha aérea. O aeródromo, que é o segundo maior pólo formador de pilotos no país, vinha sendo utilizado pela mineira, natural de Ribeirão das Neves, para as aulas práticas.

Filha de mecânico e funcionária de escola, a moça, que pediu anonimato, é a primeira geração da família que cursa graduação. Desde criança, o sonho de trabalhar com aviação se faz presente na vida dela. “Lembro que não sabia como faria para entrar, mas queria atuar com algo relacionado a isso”, diz. O ano de 2018 marcou o início da graduação no curso de Ciência da Aeronáutica. Ainda que as condições financeiras não fossem as melhores, a mineira não desistiu. “A mensalidade era quase R$ 2 mil, e meu salário líquido era de R$ 1,1 mil. Meus pais não tinham condições de me ajudar financeiramente, mas sempre me deram total apoio”.

Um financiamento privado foi a forma encontrada para o pontapé na vida acadêmica. “Tinha que pagar R$ 1 mil por mês e precisei arrumar um segundo serviço e comecei a dar aulas de inglês. Em 2018, fiz o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e tive nota para conseguir o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). O financiamento obtido foi de 92%”, conta.

Apesar de ter começado o curso almejando ser “a melhor comissária de bordo”, a mineira viu a oportunidade de que o sonho de ser piloto pudesse ser algo mais próximo de sua realidade. “Por causa do Fies, vi que poderia financiar minhas aulas de voo. Isso foi o divisor de águas em minha vida, pois essa nunca foi a realidade. Dediquei-me como nunca para absorver as matérias técnicas, pois sabia que precisaria utilizá-las no voo”.

A decisão de fazer o curso de piloto trouxe “medo” a Jéssica. “Tinha uma questão que, até hoje, é muito sensível sobre a equidade de gênero. Isso porque não havia referências sobre pilotos mulher e não se sabia se daria certo. Meus pais ficaram preocupados”.

Para fazer as aulas práticas de piloto privado, ela começou a pesquisar escolas, porém havia um empecilho: por ter apenas um dia de folga, ela precisava que a instituição de ensino fosse perto de sua casa.

“Fazer a formação no interior não era uma opção, a única viável foi o aeroporto Carlos Prates. Trabalhava no aeroporto da Pampulha e, em 2021, comecei as aulas. Desde então, tive contato com outras profissionais mulheres, outras estudantes e isso abriu minha mente. O sonho começou a ficar viável. Uma pessoa que saiu de Ribeirão das Neves poderia se tornar piloto, mesmo com todos os impedimentos encontrados para trabalhar”, desabafa.

No aeródromo da região Noroeste de Belo Horizonte, a estudante revela ter vivido uma imersão em cultura e tecnologia. “Tive oportunidade de já entrar para a aviação como comissária de bordo e, hoje, tenho mais respaldo técnico para lidar com os desafios, pois tive a vivência no aeroporto Carlos Prates”.

'Fechamento é luto', desabafa

Diante do anúncio do prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), do encerramento do terminal, a preocupação é de não conseguir concluir o estudo de piloto. “Para mim seria inviável fazer a formação em qualquer outro lugar. Como não moro mais em Belo Horizonte, ir para o interior, não é possível. Se for na capital, talvez consiga. É um sentimento de luto [o fechamento do aeroporto], pois ele é muito importante na formação dos pilotos”.

A estudante ainda tem esperanças de que a promessa do fechamento não seja cumprida. “Creio que vá ocorrer melhorias, revitalização visando a diminuição do risco [de acidentes]. O fechamento retardaria o crescimento da aviação em Minas e, em larga escala, nacionanalmente. Pode até mesmo contribuir para, no futuro, termos falta de pilotos no país”, pontua.

"Minha opinião é baseada no treinamento que realizei, mas, sou extremamente solidária às pessoas que estão sofrendo e apoio melhorias", ressalta. 

Questionada sobre qual seria o melhor lugar para substituir o Carlos Prates, ela afirma não saber responder, mas é categórica. “Não conseguiria concluir minha formação, por não ter como completar as horas. Aeroporto não se fecha, mas sim deve ser trabalhado”.