Crise

Filantrópicos ‘bancam’ saúde pública para manter serviços

Hospitais acumulam dívidas de R$ 2,5 bi em Minas; falta de reajuste na tabela SUS é um dos motivos

Dom, 17/07/16 - 03h00
Situação. Hospital São Francisco de Assis conseguiu dobrar número de internações após saldar dívida | Foto: Pedro Gontijo

No fim de 2009, o Hospital São Francisco de Assis, o segundo mais antigo de Belo Horizonte, acumulava uma dívida de R$ 45 milhões: aos 73 anos, a instituição se esvaía em uma crise financeira profunda. Apenas dois pacientes com doenças crônicas, mantidos no local pelas famílias, eram atendidos por funcionários que não recebiam salários há meses. No ano seguinte, a entidade passou por uma intervenção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e reabriu as portas. Os dois pacientes morreram após a retomada, mas milhares de outras vidas voltaram a depender de lá. Com outra gestão e um novo pacto com o município, o número de internações dobrou em quatro anos, chegando a 15.286 em 2015, e uma segunda unidade foi inaugurada.

Há dois anos, no entanto, a virada de sucesso voltou a ser assombrada pelo “fantasma” do passado. Sem reajustes nos acordos firmados e na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e com atrasos nos pagamentos estaduais, a dívida do hospital soma R$ 7 milhões. A situação do São Chico, como é carinhosamente chamado por funcionários e pacientes, é apenas um exemplo da crise enfrentada pelas instituições filantrópicas de Minas, que estão “bancando” o SUS para evitar o fechamento de unidades. Em troca, acumulam dívidas intermináveis que passam de R$ 2,5 bilhões no Estado, segundo a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas).

“Os filantrópicos, à custa de seu patrimônio, estão financiando o SUS”, disse o superintendente jurídico do Complexo Hospitalar São Francisco, Roberto Otto. O Estado tem atualmente cerca de 320 hospitais filantrópicos, que realizam 68% das internações do SUS e pelo menos metade dos atendimentos ambulatoriais. Alguns, como o São Francisco, são 100% SUS. “A crise atinge a todos. Uma minoria, que mantém 40% do atendimento com planos de saúde, consegue manter certo equilíbrio”, afirmou o superintendente da Federassantas, Gustavo Marcena.


Problemas. Um dos males que atinge a saúde já é crônico: a defasagem da tabela SUS, que estabelece os valores a serem pagos por procedimento. Estudo divulgado no ano passado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostrou que ao menos 1.500 dos 4.000 itens tabelados não receberam reajustes suficientes para compensar a inflação, com defasagens de até 400% (veja alguns abaixo). Para suprir a defasagem, foi criada uma série de incentivos por parte dos governos, que complementam o financiamento em até 50%.

Entretanto, mais de R$ 500 milhões em programas estaduais estão pendentes, muitos desde o ano passado. Um dos principais, o Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais SUS/MG (Pro-Hosp), usado para custeio e aprimoramento das instituições públicas e filantrópicos, tem R$ 54 milhões em atraso.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) admite uma dívida de R$ 2 bilhões, o que inclui repasses de convênios para obras e serviços. “Juntou o passivo com as crises econômica e fiscal do Estado. Por mais que saúde seja prioridade para o governo, não estamos (a saúde) em um mundo separado”, explicou o superintendente de Planejamento e Finanças da SES, Pedro Mousinho.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, Gilmar de Assis, prevê um colapso na saúde até setembro se não houver uma suplementação. 

“O poder público vem explorando a vocação dos filantrópicos.”
Roberto Otto
Superintendente jurídico do São Francisco

“As instituições estão tentando se manter abertas a duras penas.”
Kátia Rocha
Presidente da Federassantas

Oficial

Estado. A SES alega que herdou uma dívida de R$ 1,5 bilhão da gestão passada. A dívida atual já chega a R$ 2 bilhões e pode alcançar os R$ 3 bilhões até o fim deste ano. Esse déficit gera atrasos em repasses de programas e convênios.

Pro-Hosp. A secretaria informou que espera quitar neste mês os pagamentos do Pro-Hosp, na ordem de R$ 54 milhões, em atraso desde abril.

Justificativa. Algumas pendências, segundo a SES, se devem a burocracia e ao fluxo financeiro normal, já que nem sempre seria possível aplicar no prazo o que foi orçado em decorrência de mudanças no cronograma. A secretaria informou que está reduzindo o número de convênios para otimizar ações similares existentes.

BH e União. A prefeitura da capital e o Ministério da Saúde informaram que estão em dia com os repasses para os hospitais.