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Luzia fugiu de feras no passado e hoje deve resistir ao descaso

Crânio do ser humano mais antigo das Américas pode ter se perdido em incêndio, mas há esperança

Dom, 09/09/18 - 03h00

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Ao longo dos últimos 11 mil anos, Luzia ocupou lugares isolados. De início, esteve em uma gruta em Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte. Anos mais tarde, foi protegida da luz em uma caixa almofadada do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Hoje, pode estar entre as cinzas do local, que foi consumido pelas chamas na noite do domingo passado. Mas ainda resta esperança de que Luzia, o ser humano mais antigo já encontrado nas Américas, a “joia da coroa” do museu, esteja entre os objetos encontrados por peritos após o incêndio.

Especialistas visitaram na semana passada o sítio arqueológico em Pedro Leopoldo, onde os restos mortais de Luzia foram encontrados em 1975. O sentimento entre eles é de tristeza. Para o arqueólogo do Instituo Estadual de Florestas (IEF), Leandro Vieira da Silva, a perda é imensa, pois, para os pesquisadores que estudam Luzia, sua descoberta mudou a história sobre as comunidades pré-históricas que povoaram o Brasil e ajudou a disseminar a arqueologia nacional entre as pessoas comuns.

Segundo Silva, a família de Luzia era representante de um povo que chegou à América do Sul antes dos antepassados dos índios atuais. As pesquisas indicam que Luzia tinha de 25 a 30 anos de idade quando morreu e fez parte do primeiro grupo de humanos que entrou no nosso continente. A análise detalhada do formato de seu crânio sugere que ela seria negra.

Feras. De acordo com o arqueólogo, o certo é que Luzia e seu povo conviveram com os últimos exemplares das feras da era do gelo, período em que havia animais como tigres-dente-de-sabre, grandes ursos e preguiças-gigantes.

“Luzia e seus povos fugiam dessas grandes feras, eles não se alimentavam desses bichos. Ela pode ter sido morta, inclusive, fugindo desses animais, porque eles tinham medo, mas, infelizmente, não resistiu ao descaso com a nossa história”, lamentou o arqueólogo.

 

Luzia era respeitada no grupo

Pouco se sabe sobre os hábitos e a rotina dos povos que habitaram a América na época de Luzia. Mas, de acordo com o arqueólogo do Instituo Estadual de Florestas, Leandro Vieira da Silva, ela era uma senhora respeitada em sua comunidade. Com seus 25 anos e pouco mais de 1,50 m de altura, provavelmente, era mãe de dois filhos.

“Para nossa cultura, ela morreu muito jovem, mas muitos dos seus povos tinham filhos aos 11 anos, provavelmente. Ela era uma espécie de matriarca. Eles viviam em bandos pequenos de até 30 pessoas e eram bastante magros”, analisou.

Os paleoíndios, como são conhecidos, eram famosos por rituais com os mortos. Nos sepultamentos daquela época, os crânios eram queimados e pintados. Há casos em que os dentes de um morto eram arrancados e encaixados na boca de outro cadáver.

 

Gruta poderá ser aberta ao público

A gruta onde o crânio de Luzia foi encontrado pode ser aberta ao público para visitação. Mas, para isso, é necessária a elaboração de um plano de manejo, ou seja, um estudo que mostre se a ideia é viável economicamente e se não causaria danos. De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), esse projeto deve ser concluído em 2019.

Segundo o órgão, um plano estava em andamento em 2016, por meio de uma condicionante ambiental, mas antes da conclusão, a empresa interessada no projeto parou o estudo por falta de recursos financeiros.

Por ser um ambiente de cavernas, extremamente frágil, o proprietário da área deverá ter interesse em gerir a visitação com as regras estabelecidas ou permitir, formalmente, que o Estado assuma essa gestão.

Potencial. Atualmente, Minas tem mais de 2.500 sítios arqueológicos pré-coloniais cadastrados, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No país, são mais de 25 mil.

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