Efeito pandemia

Mecânicos de aeronaves vivem turbulência devido à crise na aviação

Cerca de oitenta profissionais que atuavam em Confins seguem de braços cruzados

Por Rafael Rocha
Publicado em 26 de outubro de 2020 | 06:00
 
 
Mecânicos de avião que integram a Coopresa, cooperativa que reúne cerca de oitenta profissionais da aviação Foto: Flávio Tavares / O Tempo

Quando as pistas de pouso e decolagem dos aeroportos brasileiros começaram ter o movimento minguado, os trabalhadores do segmento da aviação já percebiam que viriam tempos sombrios. Após o início da pandemia e ao longo do avançar dos meses, a turbulência, que antes era presente somente nos ares, acabou pousando em solo firme.

Com a redução drástica no número de voos, não foram somente comissários de bordo, pilotos e funcionários dos aeroportos que perderam seus empregos. A turma cujo conhecimento técnico garante o bom funcionamento dos aviões foi igualmente atingida pelos efeitos da pandemia.

Em Lagoa Santa, na região metropolitana da capital, uma cooperativa reúne aproximadamente 80 funcionários que atuam no ramo de mecânica em aeronaves. Desde março o grupo tem vivido momentos de desequilíbrio financeiro. Com 24 anos de estrada, a empresa, que presta serviços para companhias aéreas no Aeroporto Internacional de Confins, vinha em voo de brigadeiro, com lucros ampliados e novos contratos assinados. Mas veio o coronavírus e todo o planejamento foi ejetado. Com o inicial fechamento dos aeroportos em todo o país, os mecânicos se viram em meio a repentina falta de trabalho, enquanto as despesas continuavam a chegar. A retomada das chegadas e partidas, muito tímida, não resultou em alívio no bolso dos mecânicos.

“Atendíamos até seis aeronaves por mês, mas atualmente não atendemos mais nenhuma. Estamos parados”, explica Lívia Duarte, uma especialista em manutenção aeronáutica que preside a Coopresa. Como a empresa se organiza nos moldes de cooperativa, os associados não são demitidos, mas ficam em casa aguardando trabalho e têm a renda comprometida.

Até mesmo os 12 mecânicos recém-chegados de Porto Alegre, que vieram para reforçar a equipe mineira, tiveram que retornar à cidade de origem. “Chegamos a bancar a estadia deles aqui, mas com a pandemia tivemos que dispensá-los”, lamenta Lívia.

Arrecadação de cestas básicas ajudou mecânicos

Como os aeroportos continuavam um deserto de voos, uma solução paliativa foi promover uma arrecadação de cestas básicas. Em maio, os donativos foram doados aos mecânicos e familiares. “Isso me ajudou a complementar o orçamento”, agradece Thiago Antônio de Araújo. Com 34 anos e atuando na área há 4, o jovem viu o trabalho para o qual se formou desaparecer, o que o obrigou a aceitar outras atividades. “Virei motorista de carreta e também conserto TVs e celulares em casa”, diz o mecânico, que ainda precisou recorrer ao auxílio emergencial do governo federal.

Apesar de acreditar que em 2021 o segmento vai decolar, o jovem exibe uma ponta de decepção sobre o ofício escolhido. “Imaginei que iria iniciar a carreira e seguir (adiante). Nunca pensei que passaria por essa queda no ramo profissional”, avalia. “Agora vejo que a aviação tem altos e baixos”, completa.

Especialista em averiguar a confortabilidade dos assentos, as superfícies móveis das aeronaves e a aparência geral de pinturas, o mecânico Rogério Teotônio, de 56 anos, é outro que aguarda algum aceno para a retomada. “Estamos com expectativa (de melhora) para o início do ano, mas até agora continuamos dispensados e está tudo parado”, informa o profissional, que acabou conseguindo trabalhos esporádicos de manutenção em aviação executiva e particular. Nos céus, para ele, ainda reside uma esperança. “Os altos executivos continuam voando”, explica.