Noites mal dormidas, aumento dos níveis de estresse e dificuldades até para ler um livro ou assistir TV. Essa é a realidade que moradores de bairros próximos ao Mineirão, na região da Pampulha, afirmam enfrentar com os constantes eventos realizados no estádio. Neste mês, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou uma ação pedindo a suspensão dos shows no local dada a poluição sonora que tem sido registrada.
Logo, alguns setores e nomes famosos do cenário musical se manifestaram contrários à decisão, alegando a importância do fomento cultural e econômico oriundo das apresentações. Habitantes da região, porém, pedem respeito e o entendimento da população e dos envolvidos: eles afirmam não desejar a extinção dos shows e eventos, mas um controle e adequação que possibilitem a harmonia entre todos.
Moradora da região e uma das integrantes da Associação Comunitária do bairro Ouro Preto, a gerente de comunicação e marketing Fernanda Marques, de 40 anos, destaca que shows eventuais existiram há anos no Mineirão e que ninguém nunca brigou por isso. No entanto, o uso da esplanada para realizar festivais já há alguns anos, além da não restrição de um horário mais adequado para os eventos (como até as 22h) têm se tornado uma espécie de tortura para os moradores.
“O Mineirão precisa definir quais locais vão gerar menos impacto, a duração dos eventos, a quantidade de pessoas. O que o Mineirão está fazendo hoje é um absurdo. Se tiver um show suspenso, a única responsabilidade é da gestão do Minas Arena que, mesmo chamado ao diálogo, se recusou a se adequar, não assinando o TAC proposto pelo MP. Diante de tantas violações, não restou outro caminho senão a Ação Civil Pública”, afirma. Segundo Fernanda, em algumas ocasiões o som chega a 80 decibéis – a Lei do Silêncio vigente na capital mineira estabelece o limite de 50 decibéis entre 22h01 e 23h59 (veja mais abaixo).
Quando o assunto são os festivais, o incômodo pode ser ainda maior, segundo Fernanda. Ela detalha um caso recente, em que a testagem de som começou na sexta-feira à noite. No sábado, o evento foi realizado de meio-dia à meia-noite e no domingo logo cedo a testagem de som teve início novamente, atrapalhando o sono dos moradores. “Quem consegue sobreviver com essa situação”?, questiona ela, que relata que o padre de uma igreja próxima tem dificuldades de celebrar a missa com tanto barulho.
A corretora Paula Souza, de 57 anos, também destaca os incômodos provenientes dos eventos realizados no Mineirão. Ela ressalta que, além de todas as dificuldades para as pessoas, os animais também sofrem com o excesso de barulho.
“Eu tenho um cachorro que tem problema com alto índice de ruído. Ele, inclusive, começa a bater a cabeça no vidro da porta. As outras cachorrinhas correm, se escondem”, diz ela. Paula ainda lembra que a região da Pampulha tem muitas residências de longa permanência de idosos, que também são muito afetados com o som alto.
Moradores reconhecem importância dos eventos
Na última quinta-feira (20), um grupo formado por artistas e produtores culturais divulgou uma carta aberta citando a importância dos eventos no Mineirão no período pós-pandemia, além de destacar a importância deles para a economia do município. Já no domingo (23), o setor de eventos promoveu um abraço simbólico no estádio, como protesto pela ação do Ministério Público. Os moradores da região fazem questão de destacar que não estão “jogando contra” esses setores, pelo contrário: eles também reconhecem a importância dos eventos no estádio, culturalmente e economicamente.
“Nós não desejamos a paralisação total dos shows no Mineirão. O que precisamos é de uma solução. O estádio está extrapolando. Eu sou professor, contador e corretor, reconheço a importância da geração de empregos e que o trabalho é digno para o ser humano”, diz José Américo, de 59 anos, morador do bairro Bandeirantes.
Segundo ele, o que acontece é que constantemente o Mineirão está promovendo shows a céu aberto, por horas. Ele ressalta, por exemplo, que adoraria ir ao show do Milton Nascimento no dia 13 de novembro e que o problema está longe de ser essas apresentações eventuais. “Só estamos pedindo respeito, educação. Não queremos parar nada, mas que chamem técnicos, engenheiros, que façam as apresentações com certo isolamento”, diz.
A gerente de marketing e comunicação Fernanda Marques também ressalta a relevância do desenvolvimento cultural e esportivo em Belo Horizonte. “Só pedimos que esteja em harmonia com a lei e que garanta condições tanto de as pessoas se divertirem quanto de viverem. Que haja simplesmente uma imposição de poucos”, afirma.
Posicionamento
Em coletiva nesta segunda-feira (24), o diretor do Mineirão, Samuel Lloyd, afirmou que aguarda uma decisão da Justiça sobre o caso. "O Ministério Público entrou com uma ação, mas não é ele quem define. Isso precisa de um julgamento, a ser feito pela Justiça. Estamos aguardando essa manifestação", afirmou.
Samuel Lioyd demonstra "certeza" de que, "com diálogo", os moradores "conseguirão entender" que é "impossível colocar os mais de 250 eventos que o Mineirão faz por ano em um mesmo pacote".
"Neste ano temos um grande espetáculo, que será o encerramento da carreira do mineiro icônico Milton Nascimento. Não acreditamos que esses eventos tragam impacto para a vizinhança, que é fã da agenda cultural do Mineirão, que trouxe de volta os grandes nomes da música para Belo Horizonte, não precisando mais se deslocar para Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo", completou.
Quando o Ministério Público ajuizou a ação, o estádio salientou que nenhum evento é realizado no espaço “sem ter todas as autorizações legais respeitadas''.
Também na ocasião, a Prefeitura de Belo Horizonte, em nota, disse que “o controle de poluição sonora é feito pelo produtor do evento. Quando ocorrem denúncias e/ou constatada poluição sonora pela fiscalização da PBH, o evento é autuado”, alegou.
Lei do Silêncio em BH
A Lei nº 9.505 de 23 de janeiro de 2008 dispõe sobre o controle de ruídos, sons e vibrações em Belo Horizonte. Os limites são:
- Em período diurno (07h01 às 19h): 70 decibéis
- Em período vespertino (19h01 às 22h): 60 decibéis
- Em período noturno, entre 22h01 e 23h59: 50 decibéis e entre 0h e 7h: 45 decibéis.
- Às sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados, é admitido, até às 23h, o nível correspondente ao período vespertino: 60 decibéis.
Quando constatadas irregularidades, os bares estão sujeitos a multa de R$ R$ 150,02 a R$ 18.791,79, de acordo com a gravidade. Na reincidência, a multa pode ser aplicada em dobro e, havendo nova reincidência, até o triplo do valor inicial; Interdição parcial ou total da atividade, até a correção das irregularidades; Cassação do Alvará de Localização e Funcionamento de Atividades ou de licença.
*Colaborou: Gabriel Moraes