A espera por um rim fez com que a estudante Priscila Ferreira Gonçalves, 32, “parasse de viver” por dez anos. Nesse tempo, ela pausou estudos, deixou de crescer profissionalmente e se dedicou à saúde para que pudesse ganhar uma nova oportunidade de viver. Essa chance veio há seis meses, quando ela finalmente conseguiu receber o órgão de um doador, podendo retomar os estudos e os sonhos para o futuro. É para tentar garantir essa mesma chance a outras 41.266 pessoas que estão na fila de transplantes no país, sendo 3.834 em Minas Gerais, que o Projeto de Lei (PL) 453/2017 quer aumentar o número de doadores.
A proposta visa permitir que pessoas ainda em vida manifestem-se sobre a vontade de doar órgãos, tecidos e partes do corpo. Atualmente, mesmo que alguém faça isso, a doação só é permitida com o consentimento da família, depois de comprovada a morte encefálica. O texto aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça para seguir a plenário.
“Se for aprovado o projeto, as doações vão aumentar muito, porque temos vários casos em que as pessoas não relatam essa vontade a seus familiares”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Paulo Pêgo Fernandes.
Ele explica que a lei atual já fala sobre o consenso da família apenas nos casos em que a pessoa não registrar previamente qual é sua vontade. Mas não houve a regulamentação da forma como isso deve ser documentado. “Então, na prática, quem decide são os familiares. Precisamos de uma definição se devemos registrar a intenção em cartório ou na renovação de documentos, por exemplo”, afirma.
Casos. Enquanto não há mudança, a quantidade de pacientes que precisam de ajuda supera muito a média de doadores no país. De janeiro a abril, foram 8.372 transplantes no Brasil, número quatro vezes menor do que o de pessoas na fila, segundo dados do Ministério da Saúde. A pasta estima que, em todo ano, o número chegue a 26,4 mil.
Em Minas, foram 1.398 cirurgias nos oito primeiros meses deste ano, conforme a Secretaria de Estado de Saúde. Pessoas que, como Priscila, tiveram a rotina totalmente alterada, para melhor. “Eu tinha uma vida bem mais restrita, focada no tratamento”, lembra. Em oito dos dez anos que aguardou o transplante, ela teve que fazer em casa diálise peritoneal para filtrar o sangue, removendo o excesso de água e toxinas do corpo. O processo impedia que ela saísse.
“Eu tinha que ficar durante 12 horas em uma máquina todos os dias”, lembra. Após a cirurgia, ela voltou para a faculdade de administração, que havia abandonado.
Transplante de medula salva garoto de 2 anos
Com apenas 2 anos, Lucas Batista Lopes sabe o que é ter a vida por um fio nas mãos de um futuro doador. Quando ainda tinha 4 meses, ele recebeu diagnóstico de um tipo de leucemia, e sua família começou uma busca intensa por medula óssea compatível.
“Fizemos a campanha Todos pelo Lucas na internet em busca de doador e caminhada na nossa cidade (Nova Lima). Só no final de julho conseguimos fazer o transplante. Graças a Deus e a essa pessoa que doou a medula e salvou a vida do nosso filho, ele agora está bem”, conta a mãe de Lucas, Juliana Cristina Batista Oliveira Lopes, 33.
De janeiro a agosto deste ano, 94 pessoas foram submetidas a transplante de medula em Minas. Outras 23 pessoas ainda aguardam um doador, segundo a Secretaria de Estado de Saúde.