As ruínas do distrito de Bento Rodrigues, a 26 km da cidade de Mariana, na região Central de Minas Gerais, passam a impressão de cidade-fantasma. Desde que o povoado foi destruído pela lama da Samarco, que matou 19 pessoas há exatos seis anos, o único local onde há movimento de pessoas é o cemitério. É lá que foi enterrada uma parcela dos 55 moradores de Bento que morreram desde a tragédia sem ter visto a Fundação Renova, que representa a mineradora, entregar o reassentamento do Novo Bento, prometido para 2019. (Veja detalhes abaixo.)
Segundo os moradores, quanto mais o tempo passa, maior é o sofrimento de quem espera ansiosamente pela retomada da vida como era. “Vizinhos, amigos… de certa forma a gente conhecia todo mundo que se foi nesse período. E, quando se fala que faleceu mais um, bate uma tristeza tão profunda que a gente pensa: poderia ser eu. É triste ver que a possibilidade de morrer sem voltar a morar em Bento Rodrigues é real”, desabafa Mauro da Silva, 51, vice-presidente da associação de moradores do distrito.
Esse é o mesmo medo que passa diariamente pela cabeça da estudante de direito Mônica dos Santos, 36. Neste ano, ela perdeu o irmão, Lúcio Mauro, que faleceu aos 39 anos. “Ele era a pessoa que sempre ajudava minha mãe com qualquer reforma que precisasse. Mas, quando nos procuraram para mostrar como seria nossa vida no reassentamento, ele já havia partido”, lamenta.
Nascida e criada no distrito, ela reforça que muitos moradores, especialmente os mais idosos, estão partindo de forma acelerada. “O que mais me assusta é que, na minha vida inteira, nunca vi tanta gente de Bento morrer nessa velocidade. No ano passado, quando meu tio-avô faleceu, foram três mortes no mês”, disse.
“Ele (o Novo Bento) não representa o que era a nossa comunidade. Tem a cara das empresas e o que elas querem passar pro mundo. Não passa de uma grande propaganda”, reforçou a universitária.
Prejuízos à saúde
Estudo encomendado pela Fundação Caritas, que representa os atingidos de Bento, mostrou que cerca de 74% da população ouvida sofreu perdas em saúde desde a tragédia. Sete em cada dez relataram ter algum nível de ansiedade ou depressão – a taxa era de 11% antes.
Demora
A estimativa de conclusão dos trabalhos informada mais recentemente pela fundação é dezembro de 2022, considerando os projetos já aprovados junto à Prefeitura de Mariana. Para Mônica, mesmo que o prazo seja cumprido, a expectativa não é a mesma. “Não acho que eu vou ser feliz naquele lugar. Aquilo ali não é mais nosso”, avalia.
Hoje, antigos moradores de Bento Rodrigues se reúnem em Mariana, às 11h, para um ato em cobrança pela reparação dos danos. Às 14h, o grupo vai ao reassentamento em Paracatu de Baixo, outro distrito atingido. Às 16h, haverá missa na capela de Bento Rodrigues.
Vivem temporariamente em Mariana, à espera da volta para casa, cerca de 800 pessoas de Bento Rodrigues e 600 de Paracatu de Baixo.
Há atrasos também em outros reassentamentos
Não é apenas a população de Bento Rodrigues que vive em compasso de espera. O atraso é ainda maior nos reassentamentos de Paracatu de Baixo e Gesteira – distritos também impactados pela lama.
No caso de Paracatu de Baixo, a 35 km de Mariana, a infraestrutura do local onde vão ficar 81 famílias não ficou pronta; apenas seis casas tiveram obras iniciadas. Segundo a Renova, a estimativa de conclusão dos trabalhos é até dezembro de 2022.
Ainda sem acordo
A situação é pior em Gesteira, a 18 km da cidade de Barra Longa. O acordo para o reassentamento da comunidade ainda tramita na 12ª Vara Federal Cível/Agrária de Minas Gerais. Nove famílias aguardam o desfecho da situação, enquanto outras 26 optaram por não esperar e adquirir nova propriedade em outro lugar, com recursos disponibilizados pela Renova.
Obras acabam até 2022, afirma a Renova
Criada para reparar os danos causados pela Samarco em 2015, a Fundação Renova informou que desembolsou cerca de R$ 1,66 bilhão nos reassentamentos, mesmo que nenhum tenha ficado pronto até agora. Apesar da baixíssima quantidade de imóveis entregues, a fundação garante que os projetos já aprovados devem ficar prontos até o fim de 2022.
Questionada pela reportagem sobre os motivos dos atrasos, a Renova respondeu que a interferência de questões como mudanças em projetos e a pandemia de Covid-19, que começou em março do ano passado, afetaram o cronograma.
Ainda em nota, a fundação informa que o objetivo dos reassentamentos não é somente reconstruir casas, mas “erguer comunidades ‘urbanas’ em espaços ‘rurais’ com infraestrutura completa de cidades (arruamento e redes de água, esgoto e energia), além de bens públicos e de uso coletivo com alto padrão de qualidade (escola, postos de saúde e serviços etc.)”.
A PASSOS LENTOS
Reconstrução de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira está longe do prometido
Vão fazer parte do reassentamento, segundo a Fundação Renova (algumas famílias aceitaram terreno ou casa em Mariana):
BENTO RODRIGUES - 203 famílias
Moradias projetadas: 205
Moradias prontas: 10
PARACATU DE BAIXO - 81 famílias
Moradias projetadas: 64
Moradias prontas: 0
GESTEIRA - 9 famílias
Projeto de reassentamento ainda tramita na justiça
PRAZOS
Primeiro: março de 2019
Segundo: 27 de agosto de 2020
Terceiro: 27 de fevereiro de 2021
Atual: Nova data para entrega ainda é discutida na Justiça