A tranquilidade na estrada que dá acesso ao município de Ouro Preto já era um prenúncio de que este Domingo de Páscoa (12) seria diferente de qualquer outro vivido pela cidade na história recente. Em vez de centenas de pessoas circulando pelas ruas, um silêncio que só era quebrado pelo barulho dos poucos carros que circulavam e também pelo canto dos pássaros, que conseguiam se fazer ouvir em um dia que costumava ser marcado por festa. A pandemia de coronavírus que atinge o mundo também modificou uma tradição que acontecia anualmente desde 1963: pela primeira vez em 57 anos, Ouro Preto amanheceu no Domingo de Páscoa sem os tradicionais tapetes de serragem.
 
A procissão que também percorria as principais ruas da cidade não aconteceu, deixando a cidade com um clima ainda mais diferente do comum para esta época do ano. Trechos tradicionais do centro histórico de Ouro Preto estavam completamente vazios. Foi o caso das ruas Direita e São José. As medidas restritivas de isolamento social também impuseram novos hábitos e o comércio da cidade estava sem funcionar. Até mesmo pontos de atendimento ao turista estavam de portas fechadas.
 
Na Igreja do Carmo, também no centro histórico, uma cena inimaginável para um Domingo de Páscoa: 13 pessoas acompanhavam presencialmente a Missa da Ressureição, que também foi transmitida via internet para os fieis que preferiram ficar em casa. O templo, inaugurado em 1813, possui 21 fileiras de bancos. No início da celebração, apenas seis delas estavam ocupadas.
 
O padre Marcelo Santiago, pároco da Basílica e Matriz Nossa Senhora do Pilar, foi o responsável por conduzir a celebração. Para que a data não passasse em branco, ele fez uma procissão simbólica ao redor da igreja, que também destoava de outras realizadas na história do município, e contou com a presença de apenas 10 fieis.
 
A auxiliar operacional Maria de Queiroz, 63, foi uma das poucas fieis presentes na celebração. Ela mora na cidade há 40 anos e disse que nunca viu uma situação parecida. “A Páscoa está sendo muito bonita, mas dessa vez não pudemos ter os tapetes e a procissão, que são bonitos. É um sentimento de muita tristeza, porque é maravilhoso ver a cidade cheia, com as pessoas participando”, disse. Tradicionalmente, a montagem dos tapetes começa sempre na madrugada do domingo. “É muito triste que, por conta de um vírus, a população tem que ficar recolhida na sua casa”.
 
Também moradora de Ouro Preto há quatro décadas, a professora Ana Paula Gomes acompanhou a procissão simbólica juntamente com o marido, Paulo Sérgio, e com as filhas, Mariana e Cecília Gomes, de 9 e 6 anos, respectivamente. “É lamentável não poder acompanhar Jesus vivo e ressuscitado pelas ruas de Ouro Preto com tanta beleza demonstrada pelos tapetes. Foi uma perda muito grande, mas temos que respeitar”, afirmou.
 
Apesar da frustração, ela pregou união entre as pessoas e disse que a ausência da procissão e dos tapetes não abala a sua fé. “É um momento que ninguém esperava, mas temos que estar unidos para combater (o coronavírus) e sair da melhor forma possível. Eu nunca imaginava passar por uma situação dessas, mas o mais importante é que Jesus vive, independente de tapete e de tradição. E essa é nossa alegria, temos que ter fé nisso. Precisamos aumentar nossa fé que dias melhores virão”, disse.

Domingo diferente

Em Ouro Preto há 16 anos, o padre Marcelo Santiago reforçou que essa é a primeira vez que a Semana Santa é celebrada sem público na cidade e disse que o cenário imposto pela pandemia do coronavírus deve fazer as pessoas refletirem. “É um Domingo de Páscoa diferente para todos nós, que nos faz pensar, nos recolhermos no ambiente de nossas casas. Tenho para mim que toda essa realidade vai para além do sofrimento em relação à saúde e ao caos econômico, já instalados, mas teremos a oportunidade tirar lições positivas e de compreender que o dinheiro não compra tudo”.
 
O pároco reforçou que as pessoas precisam estar mais atentas a família e pregou união. Ele disse estar com saudade da presença dos fieis e lembrou que, em seus três primeiros séculos de existência, a Igreja Católica foi perseguida pelo Império Romano. “Não tínhamos templo como temos hoje. As pessoas se reuniam em lugares apropriados, como nos lares. A família é a primeira igreja por excelência. A família é uma igreja viva, uma verdadeira comunidade”, disse, pontuando que durante a vigência do isolamento social tem crescido a quantidade de celebrações realizadas dentro das casas.