Quem passa atualmente pela orla da Pampulha, em BH, encontra um lugar povoado de pessoas que correm, caminham ou pedalam. O conjunto arquitetônico e paisagístico, patrimônio da humanidade, com suas áreas verdes e seus atrativos gastronômicos, culturais, históricos e naturais, parece se oferecer como irresistível convite de passeio tanto a visitantes como a moradores.
Mas nem sempre foi assim.
Só há cerca de 15 anos, a orla da Pampulha inaugurava sua malha cicloviária com infraestrutura de 11,5 km. A primeira loja de aluguel de bikes, um empreendimento à época inovador, chegou ao lugar cinco anos depois, pelas mãos do triatleta Rodrigo Rodrigues, de 53 anos. Ainda que se falasse pouco sobre negócios voltados ao uso compartilhado de equipamentos naquele tempo, a Bike Mania logo decolou e acelerou a vocação local para a modalidade.
“Mesmo que a estrutura não fosse suficiente, a demanda pelo serviço só crescia”, relembra o dono, que abriu outras duas lojas no entorno da lagoa. Ele não foi o único a empreender por ali.
Ao longo da última década, outras oito lojas com a proposta foram abertas na região – e a orla passou a ser praticamente toda circundada de faixas cicláveis, somando 18 km, aproximadamente.
Recentemente, a Unimed passou a integrar esse circuito, onde inaugurou 14 estações, com cem bicicletas. As startups Grin e Yellow também levaram para lá seus modelos de negócio, incluindo as patinetes elétricas. Segundo a Grow, controladora das marcas, a região é “um dos pontos de maior concentração de usuários” da cidade.
“Mesmo com aumento da concorrência, a demanda se mantém crescente há uma década”, comemora Rodrigues. A avaliação é referendada por Elyton Farias, 31, que em 2016 abriu a GuilBike no entorno da lagoa. Para ele, esse tipo de passeio está no DNA do lugar, atraindo públicos diversos – atletas, estudantes, em especial os de arquitetura, famílias, grupos religiosos, turistas e moradores de todas as regionais.
Experiência
O pioneiro Rodrigues, que sempre morou por ali, reconhece que já havia quem pedalasse pela orla antes da pulverização de serviços de aluguel e da melhora na infraestrutura.
No entanto, era comum ouvir reclamação de turistas decepcionados com uma cartografia que priorizava o uso de carros: “Eles achavam tudo muito longe”, rememora.
Até entre os moradores havia quem pouco aproveitasse o lugar. O barbeiro Álvaro Daniel da Silva, de 31 anos, por exemplo, vive na Pampulha desde 1994 e “descobriu o programa” há cerca de apenas dois anos. Desde então, estima já ter circundado a orla ao menos 200 vezes: “É uma paisagem que não cansa”. Como ciclista, ele redescobriu a cidade: “Percebi os lugares de outro jeito, a Igrejinha, os jardins...”, constata.
Melhorias
A BHTrans abriu processo licitatório para elaboração de projeto cicloviário na orla da lagoa da Pampulha. Além de atualizar toda a sinalização, que é alvo de críticas dos usuários, o objetivo é prover melhorias – como pensar alternativas aos blocos de concreto que isolam as ciclovias.
É preciso investir em conexões com regiões e modais
Lembrando que a Pampulha foi projetada, nos anos 40, para reunir uma série de atrativos no entorno da lagoa, o arquiteto e urbanista Sérgio Myssior reconhece na região “uma vitalidade representada por sua diversidade de uso e ocupação, que fazem dela um lugar diferenciado”.
Para ele, porém, o bom exemplo urbanístico pode ser replicado para outras regiões de BH. Os benefícios da crescente presença humana nas ruas, afinal, são muitos. Entre eles, a maior sensação de segurança e a ampla diversidade de renda.
Proprietário da Bike Mania, Rodrigo Rodrigues, 53, reconhece que as ruas cada vez mais vibrantes atraem diversas frentes comerciais – como vendedores de água de coco, lanchonetes e lojas voltadas à alimentação saudável.
Myssior situa que o lugar reúne características que potencializam o uso das bicicletas, como atrativos turísticos, gastronômicos e paisagísticos, e que há topografia favorável e um bem-formatado calendário de atividades esportivas.
A infraestrutura de ciclofaixas e ciclovias consolida a vocação para os pedais: “À medida que se implantam uma ciclovia, uma sinalização, um trabalho de educação para o trânsito, tudo isso favorece o uso da bike”.
No entanto, segundo ele, a infraestrutura da cidade ainda está muito distante do ideal para o pedestre e o transporte não motorizado. “É necessário investimento em conexão dessas ciclovias e ciclofaixas da Pampulha com outras áreas da cidade e em integração multimodal e intermodal dessas plataformas”, defende.
Diferencial
Novo olhar. Desde que passou a viver em BH, há três meses, o pernambucano Diogo Pereira, 30, se viu seduzido pelos passeios ciclísticos na Pampulha. “É um jeito melhor de conhecer tudo. De carro, a atenção é o trânsito. Não olhamos o entorno com o mesmo carinho”, analisa.
Pensador. Princípio semelhante foi expressado pelo filósofo alemão Walter Benjamin. Nos trajetos de carro, ônibus ou metrô, observa ele, estamos atentos à chegada e ignoramos paisagens e encontros.