Patinetes elétricas, uma revolução no transporte ou um pesadelo urbano? Para muitos, uma opção prática, ecologicamente correta. Para outros, uma complicação para o trânsito de veículos e, ao mesmo tempo, uma ameaça para os pedestres, pois, cada vez mais, os equipamentos estão disputando espaços com as pessoas nas calçadas e nas praças.

Em Belo Horizonte, a quantidade de vítimas de acidentes com patinetes não para de crescer. Em janeiro, quando começaram a circular, quatro pessoas deram entrada no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS). Em fevereiro, o número subiu para 12 até bater a marca de 40 socorridos em abril. Nos primeiros dez dias de maio foram 11 atendimentos.

“São três situações: o atropelamento de patinete, o atropelamento por patinete e a queda da patinete”, explica o coordenador da cirurgia geral do HPS, Tarcísio Versiani. “As pessoas não estão usando equipamentos de proteção. As lesões são como se fossem de um acidente de moto em baixa velocidade. Podem ser traumatismo cranioencefálico, traumatismo torácico e fratura de ossos longos. Podem lesar qualquer parte do corpo. Lesões graves que podem resultar, inclusive, em morte”, alerta o médico.

Para tentar colocar ordem na situação, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) criou um grupo de estudos para discutir o impacto das patinetes na cidade e trabalha na elaboração de um projeto de regulamentação, o que deve ocorrer até o fim deste mês. A ideia é ouvir a população numa consulta pública. O grupo tem participação da Guarda Municipal e da Secretaria de Política Urbana.

Enquanto não há legislação municipal, prevalece a Resolução 465/2013 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), orienta a BHTrans.

Regras

Em São Paulo, o uso das patinetes elétricas sem capacete e fora das ciclofaixas contraria as regras da prefeitura, que prevê multas de até R$ 20 mil para esses casos. Por lá, um levantamento da Fundação Procon-SP apontou que, entre as pessoas que já utilizaram serviços de aluguel de patinetes elétricas, 81% dizem que não estavam com equipamentos de segurança.

Na última quinta-feira, as patinetes da empresa Grow, dona das marcas Grin e Yellow, voltaram a operar na cidade após o início da fiscalização. Em nota, a empresa disse que orienta os usuários a seguirem as regras da prefeitura.

O levantamento do Procon-SP mostra que só 37% dos usuários dizem ter lido o termo de uso e a política de privacidade ao alugar um equipamento. Para 80% dos entrevistados, entre eles os que não utilizam o serviço, a patinete é uma boa alternativa de transporte na capital. Ao mesmo tempo, 72% acreditam que deve haver regulamentação sobre o uso de equipamentos de segurança.

Veículo é o “novo aplicativo”

O que era apenas diversão, as patinetes viraram meio de transporte em Belo Horizonte. Muita gente está deixando os carros em casa, ou dispensando táxis e veículos de aplicativo, para ir de patinete ao trabalho, à escola e a outros compromissos.

A psicóloga Patrícia Amaral Sardinha, 42, foi de patinete se encontrar com um corretor de imóveis. “Quando os trajetos são menores, a patinete agiliza bastante. Já vendi o meu carro, porque eu só ando de aplicativo e, quando preciso de algo mais perto da minha casa, eu utilizo muito mais a bicicleta e agora a patinete. O equipamento é mais para agilizar”, diz Patrícia, que afirma ser obrigada a transitar nas calçadas. “Você não pode incomodar os pedestres. Tem pessoas mais conservadoras que acham um pouco abusivo. Mas também não temos ciclovias interligando todas as regiões”, justifica.

A servidora pública Yule Pequeno Saldanha, 39, consegue transportar a filha de 3 anos de carona na patinete, “mas devagarzinho”, explica. No dia a dia, Yule gasta cinco minutos para chegar ao trabalho de patinete. “Se for andando, eu gasto 15 minutos. De carro, acabo perdendo mais tempo por causa do trânsito”, compara. “No começo, a patinete não valia a pena, pois estava no preço de aplicativo. Agora, caiu para R$ 0,80 por minuto e é vantajoso”, disse.

O auxiliar administrativo Fellype Paiva, 23, também é adepto à patinete quando o trajeto é curto. “Só preciso tomar cuidado com os pedestres na calçada e com os carros. É melhor andar na ciclovia, mas Belo Horizonte não tem ciclovia suficiente”, reclama.

Especialista defende o pedestre

Especialista em trânsito, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Gildo Scalco entende que, no grande desafio da mobilidade urbana, dá para incluir as patinetes. “É uma invenção mais individual e com mais rapidez no meio urbano”, disse.

No entanto, segundo ele, as patinetes não devem entrar no meio do trânsito e deveriam ser permitidas apenas em vias planejadas, como ciclovias. “A calçada é destinada ao pedestre, e foi um luta extensa e já antiga para criar espaço para o ser humano, assim como a travessia de sinaleiro”, reforça.

O especialista ainda defende o uso de capacete para quem anda de patinete. Mesmo em velocidade máxima de 20 km/h, segundo ele, é um risco.

Orientação

Limite. A Grow, dona das marcas Grin e Yellow, recomenda usar capacete, sempre, em ciclovia ou ciclofaixa e não rodar em calçadas, mas em vias com limite de 40 km/h para carros.