Ameaça

Poeira e solo de Mariana e Barra Longa escondem metais pesados

Fundação Renova conhece problema desde março, mas omitiu a informação

Por Letícia Fontes
Publicado em 05 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
Estudo aponta riscos à saúde de quem vive em áreas atingidas por lama da barragem da Samarco Foto: Mariela Guimarães

Quatro anos após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, na região Central do Estado, um estudo encomendado pela Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos provocados pela tragédia, comprova que tanto o solo da região quanto a poeira derivados da lama estão contaminados com metais pesados. O relatório, que foi produzido no ano passado e analisa material coletado em oito distritos de Mariana e Barra Longa, está com a Renova desde março, mas até hoje os moradores das comunidades devastadas não foram comunicados sobre os riscos que os rejeitos podem causar à saúde. 

Nas amostras dos sedimentos e do solo superficial analisadas a pedido da Renova pela Ambios Engenharia e Processos, foram encontradas concentrações de cádmio 17 vezes superiores aos valores considerados de segurança. De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês), a substância é considerada cancerígena. Já a concentração de níquel ultrapassa cinco vezes os padrões nacionais. Também há presença excessiva de zinco e cobre. 

A pesquisa da Ambios aponta que a presença de metais pesados na poeira pode causar alergias de vários tipos, que se manifestam em sintomas como coceira, vermelhidão na pele, tosse e congestão nasal. 

Risco

O levantamento também alerta que, futuramente, há possibilidade de ocorrer a contaminação de alimentos em função de possíveis alterações das condições do solo superficial. Os pesquisadores destacam ainda a chance de que fontes de captação água venham a ser contaminadas em função do contato com o solo e os sedimentos.

O Ministério Público Federal (MPF) solicitou, desde agosto, que a Renova e o governo de Minas apresentem o quanto antes os resultados aos atingidos, recomendação que não foi adotada. No ano passado, quando a tragédia completou três anos, reportagem de O TEMPO já havia revelado que ao menos 11 pessoas tinham sido contaminadas por metais pesados, conforme uma pesquisa independente. 

Outro lado

A Renova afirmou que a pesquisa só pode ser divulgada após autorização do poder público. O governo de Minas disse analisa o estudo para adotar medidas de curto, médio e longo prazo.

Casas alugadas paraatingidos estão em área de risco, diz MP

Até o momento, 414 imóveis foram alugados pela Fundação Renova para alojar as vítimas do rompimento da barragem de Fundão. Mas de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), um número significativo de atingidos ainda continua vivendo em locais com risco de inundações ou deslizamentos. No entanto, segundo a Renova, embora a classificação de risco seja definida pela Defesa Civil, isso “não quer dizer que tais áreas não possam ter edificações e permanência de pessoas”. 

Segundo o MPF, mais da metade das casas vistoriadas têm algum tipo de inadequação, sendo que aproximadamente 39 delas (17%) estão localizadas em áreas consideradas como de risco geotécnico ou de inundação pelo Plano de Municipal de Redução de Risco de Mariana ou pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais em Barra Longa. Ainda segundo o dossiê, cerca de 54% das moradias têm problemas de habitabilidade relativos à iluminação, ventilação inadequada ou à falta de acabamento. 

De acordo com levantamento, 73% das famílias que estão em imóveis de riscos estão no município de Barra Longa e 52% em Mariana.

Em nota, a Fundação Renova afirmou que faz vistorias cautelares e inspeções para avaliação física dos imóveis, bem como realiza intervenções necessárias para promover condições de saúde, segurança e acessibilidade às famílias. 

“Estado age como inimigo”, reclama moradora

A casa da moradora de Barra Longa, Simone Silva não foi invadida pelo rejeito de minério de ferro que vazou da barragem de Fundão, mas a filha dela, Sofya, 4, teve intoxicação por níquel e arsênio confirmada. Ela luta para a pequena ser considerada uma atingida pela tragédia já que, desde então, Sofya sofre com diarreia, alergias, e enjoos. “Estamos correndo risco e enquanto isso até o Estado esconde isso e age como inimigo”, lamentou. 

O químico e professor de saúde pública Rogério Aparecido Machado acredita que a contaminação nos distritos atingidos deve permanecer por muitos anos. O especialista alerta que a situação voltará a se repetir em Brumadinho. “O que acontece é que esse metais não são solúveis e vão parar os principais filtros como rins, fígado e sistema nervoso central. Era algo previsível”, analisa. 

Confira na íntegra a nota da Fundação Renova

A Fundação Renova informa que contratou estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e ao meio ambiente que estão sendo complementados para se tornarem conclusivos. Os dados estão sendo avaliados juntamente com o governo do estado de Minas Gerais e as prefeituras de Mariana e Barra Longa.

Os estudos têm por objetivo identificar se há concentração de elementos químicos no ambiente que possam representar potenciais riscos à saúde da população e sua relação com o rompimento da barragem de Fundão. Os resultados ajudarão na definição de ações e responsabilidades junto às regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão. A Fundação Renova esclarece que o Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana foi realizado nos termos da Deliberação CIF 106 de 2017.

Em cumprimento à Nota Técnica 11/2017, todos os dados, informações e relatórios produzidos pelo estudo são proibidos de serem publicados pelas instituições contratadas e pela Fundação Renova, sem autorização das autoridades públicas.

A Fundação esclarece ainda que os estudos apresentados pela Ambios foram realizados nas áreas diretamente atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana e Barra Longa, e não tiveram por objetivo estabelecer correlação entre os resultados encontrados e o rompimento.

O estudo integrado de avaliação de risco à saúde e meio ambiente, realizado pelas empresas TecnoHidro e Grupo EPA, por sua vez, analisou áreas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão e regiões que não foram atingidas, mas que têm condições físicas semelhantes e apresentou um número de amostras maior. Foi incluída, ainda, a avaliação de concentrações históricas da região.

A partir desses dois estudos — que passaram por uma revisão por pares para controle de qualidade — se faz necessário discutir, junto ao Poder Público, os resultados encontrados e o aprofundamento dos mesmos para definição de eventuais ações nas áreas de saúde e do meio ambiente.

Conforme relatório recebido pelo Ministério Público Federal (MPF), em julho/2019, a informação que 52% dos imóveis apresentavam algum tipo de inadequação é referente a amostragem de moradias visitadas pela sua assessoria, entre abril e outubro/2018, e não a totalidade das moradias temporárias administradas pela Fundação Renova. No relatório, a informação é que 17% dessas moradias estavam em áreas consideradas de risco geotécnico e de inundação, conforme o Plano Municipal de Redução de Risco de Mariana e CPRM em Barra Longa.

A Fundação Renova informa que o processo de moradia temporária consiste em oferecer habitação às famílias que sofreram deslocamento físico ocasionado pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015. O principal aspecto observado para definição do imóvel temporário é a escolha da família, que poderá mudar de residência toda vez que julgar necessário. Durante a permanência no imóvel temporário, são realizadas visitas de acompanhamento social, vistorias cautelares e inspeções diversas para avaliação física dos imóveis, bem como intervenções necessárias para promover condições de saúde, segurança e acessibilidade às famílias.

Desde a data das visitas realizadas pelo MPF até o presente momento, foram realizadas mais de 120 mudanças das famílias de forma a respeitar o direito de se mudar e escolher o local da sua moradia temporária, quando achar necessário. Além disso, foram realizadas aproximadamente 450 intervenções de reparos nos imóveis, ações estas comuns e rotineiras na administração dessas moradias.

A Fundação Renova informa ainda que a determinação das áreas de risco, bem como a classificação desses riscos, em qualquer município, é realizada pela Defesa Civil e necessariamente não quer dizer que tais áreas não possam ter edificações e permanência de pessoas. Nesse sentido, é importante destacar o trabalho de monitoramento dessas áreas pela Defesa Civil, bem como as orientações, principalmente preventivas, que este órgão repassa para todas as comunidades, principalmente em determinados períodos do ano, como o período chuvoso.

A Fundação Renova apoia e incentiva as iniciativas da Defesa Civil a fim de levar a correta orientação à sociedade. Um exemplo disso é a campanha orientativa realizada em Mariana e Barra Longa, quanto aos cuidados no período chuvoso, que se iniciou recentemente, conforme material em anexo.

Confira na íntegra a nota da Secretária de Estado de Saúde

Em decorrência do rompimento da Barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em 2015, foi solicitada pela Câmara Técnica da Saúde (CT-Saúde) a elaboração de Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (EARSH) com o objetivo de atender às preocupações da comunidade e diagnosticar as implicações na saúde humana.

Em 7 de agosto de 2019 foram protocolados junto à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) os relatórios e íntegra dos documentos referentes ao EARSH produzido pela Ambios, contratada pela Fundação Renova.

O relatório encontra-se em análise por uma equipe multisetorial da SES/MG. Vem sendo elaborado um Plano de Ação que contemple a adoção de todas as medidas de curto, médio e longo prazo necessárias para minorar os danos causados. Ambos os materiais serão publicizados assim que as análises sobre eles forem concluídas.

Em paralelo à atuação estatal, com objetivo de dar celeridade e foco ao processo, em 1º de novembro, foram debatidos e acordados eixos prioritários contendo ações de reparação de curto prazo. Participaram da reunião Advocacia-Geral da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ministério Público do Estado do Espírito Santo, Governo de Minas Gerais e Governo do Espírito Santo.

Um dos eixos prioritários refere-se ao risco à saúde humana. Foram definidas ações de curto prazo com objetivo de direcionar a atuação da Fundação Renova, que se pronunciará sobre os prazos apresentados para implementação das ações até a próxima sexta-feira (8/11).

Entre as ações que integram o eixo referente ao risco à saúde humana, estão:

- Apresentação plano para a contratação de profissionais para atuar no programa de atenção e vigilância a saúde nos municípios de Mariana e Barra Longa.

- Contratação e execução de estudo toxicológico para análise da exposição humana e de efeitos para os compostos determinados como contaminantes de interesse para os municípios de Mariana e Barra Longa.

- Ampliação da rede de assistência para Saúde Mental, respeitada a metodologia prevista na política de saúde mental do Ministério da Saúde e as diretrizes apresentadas pelos gestores municipais.

- Adoção de medidas para redução de poeiras com ênfase na higienização das residências situadas nas localidades atingidas pela lama de rejeitos e equipamentos públicos.

- Estruturação das equipes para fortalecimento dos sistemas de informação dos municípios atingidos.

- Realização de estudo epidemiológico de morbimortalidade para os municípios atingidos.

- Estruturação dos laboratórios de análise de qualidade da água para consumo humano dos 36 municípios mineiros atingidos.

Informamos ainda que a Secretaria de Saúde presta assistência integral pela rede SUS a todos os cidadãos que apresentam problemas de saúde de qualquer natureza.