A mente da dona Margarida já não funciona como antes. Aos 85 anos, ela se perde nas palavras, confunde memórias antigas e fala de forma desconexa. A recordação de eventos recentes é tão difícil, que ela não lembra sequer como chegou ao Lar de Idosas Padre Leopoldo Mertens, localizado no bairro São Francisco, em Belo Horizonte. 

Há mais de um ano ela passou a receber os cuidados do município, depois que os familiares a abandonaram em um Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam). Assim como dona Margarida, vários idosos sofrem com o desamparo. Por mês, ao menos uma pessoa vive situação semelhante em Belo Horizonte.

Nos hospitais do município, a situação é recorrente. Em 2021, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, foram registrados dois casos de abandono no Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, no Barreiro. Em 2022, um caso foi registrado. Já no Hospital Metropolitano Odilon Behrens, em 2021, foram oito casos, e, em 2022, já são cinco abandonos.

A situação acontece quando o idoso é internado para atendimento médico, e, no momento da alta, ninguém aparece para buscá-lo. E não faltam esforços por parte do município. Segundo a gerente de Gestão dos Serviços de Alta Complexidade, Sandra Ferreira, a internação do idoso é sempre a última opção a ser tomada. “Antes da institucionalização desse idoso, todos os casos são encaminhados para a assistência social, em que é feito um trabalho para tentar localizar os familiares e avaliar se pode ser oferecido algum apoio para que esse idoso seja acolhido novamente em casa. São ofertas de proteção básica e especial”, descreve Sandra.

Limitação

A quantidade de vagas para institucionalização de idosos é limitada e, no momento, opera perto da capacidade máxima do município. Em Belo Horizonte, são 887 vagas em casas de acolhimentos parceiras, sendo que a maioria está preenchida por idosos considerados de graus 2 e 3 – que indicam dependência de cuidados especiais e um nível elevado de comprometimento na autonomia.

Quem faz o trabalho de coordenar essas vagas e definir quem pode (ou não pode) ser abrigado em um lar para idosos é a Central de Vagas da Assistência Social, da prefeitura. Só no ano de 2021, a central recebeu 26 solicitações de acolhimento da rede hospitalar.

Acolhimento

Presente há 65 anos na capital mineira, o Lar de Idosas Padre Leopoldo Mertens tem uma história de acolhimento e respeito com as idosas que são encaminhadas ao local pela prefeitura. Hoje, a casa opera com 37 residentes – todas mulheres –, entre elas a dona Margarida.

A idosa vive no local há cerca de um ano. Antes disso, ela passou três meses em um Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam) após um episódio de surto psicótico, depois que o filho foi assassinado. Após a alta, nenhum parente foi encontrado para levá-la para casa.

Zilda Luiza Costa, presidente do lar de idosos, conta que a maioria das residentes foi abandonada pelos familiares. O impacto disso é notado, principalmente, nas novatas. “Elas chegam bem assustadas, mas daqui a pouco elas se acostumam e sentem que esse é um local muito tranquilo e acolhedor”, diz.

Além da dona Margarida, outra interna que vive no lar e que também sofreu com o abandono de parentes foi a dona Adair Lina, de 82 anos. Acamada e com a comunicação muito comprometida, a idosa passou dois anos no hospital Paulo de Tarso à espera de alguém para buscá-la. Hoje, ela reside no lar de idosos, onde recebe tratamento e, eventualmente, é visitada por uma neta que foi encontrada.

Abandono é crime

Segundo prevê o Estatuto do Idoso, a conduta de abandonar essas pessoas em hospitais, casas de saúde e entidades de longa permanência é crime. A legislação prevê pena de  detenção de seis meses a três anos, além de pagamento de multa. Neste mês acontece a campanha Junho Violeta, dedicada à conscientização sobre o combate à violência contra a pessoa idosa, que é celebrado no dia 15 de junho.