Em BH

Restaurantes populares servem meio milhão de refeições a menos durante pandemia

Para prefeitura a queda se deve ao isolamento social e população mais vulnerável não foi afetada

Por Rafael Rocha
Publicado em 30 de outubro de 2020 | 06:00
 
 
Cerca de 7 mil refeições estão sendo servidas diariamente nas quatro unidades do restaurante popular de BH durante a pandemia Foto: Alex de Jesus / O Tempo

Os restaurantes populares de Belo Horizonte serviram quase meio milhão de refeições a menos neste ano, em comparação ao ano anterior. A conclusão é possível a partir de dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania obtidos a pedido de O TEMPO. Foram exatamente 467.950 pratos a menos, contabilizados entre os meses de janeiro a setembro, o que pode impactar na segurança alimentar de parte da população belo-horizontina que apresenta maior vulnerabilidade social.

No balanço total, que engloba as quatro unidades dos restaurantes populares da prefeitura, a redução foi de 24% no comparativo entre 2019 e 2020. Um dos motivos da queda é, naturalmente, a pandemia e o período de isolamento social - apesar dos restaurantes populares não terem fechado as portas -, mas a frieza dos números explica parcialmente as particularidades de cada uma das unidades. Restaurantes instalados em regiões com maior fluxo de usuários mais pobres registraram quedas menores.

Enquanto a unidade do centro tem alta demanda de pessoas em situação de rua - cerca de mil pessoas por dia -, o restaurante da região hospitalar depende muito do fluxo do comércio local, assim como o de Venda Nova, que registrou a maior redução, de quase 30%. No período de fechamento de lojas, a demanda acabou caindo mais nesses lugares. Em sentido contrário, no Barreiro foi onde a queda foi mais baixa - apenas 10% -, devido ao perfil de menor potencial econômico. “O poder aquisitivo de quem se alimenta na unidade do centro é menor, por isso essa diferença”, explica Wellemy Nogueira, diretor dos Restaurantes Populares de Belo Horizonte.

Os restaurantes não fecharam durante a pandemia exatamente para garantir que não faltasse comida no prato, segundo a prefeitura. Como estratégia de proteção contra o vírus, o usuário fica proibido de se alimentar na parte interna do restaurante. A refeição é servida em marmitex e a orientação é para o usuário levar o alimento para casa. Como vários moradores de rua frequentam o local, pequenas aglomerações nas calçadas dos restaurantes não são raras, conforme presenciado pela reportagem. “Precisamos também da conscientização do público”, informa a nutricionista Angela Cristina Silva, coordenadora do restaurante popular do centro.

Apesar da queda no balanço geral de refeições, os restaurantes começaram a funcionar aos finais de semana durante a pandemia, exatamente para atender a camada da população em maior risco social. A distribuição dos alimentos é feita por agentes da Guarda Municipal na portaria dos estabelecimentos. Macarronada, arroz com tropeiro e estrogonofe são algumas das opções. “Esse público é formado por pessoas desamparadas e que têm uma alimentação precária”, explica Nogueira.

A redução no número de pratos servidos não preocupa tanto a secretaria. A avaliação é que quem deixou de ir aos restaurantes populares tenha possibilidade de garantir sua alimentação de outras formas. “Muitas pessoas estão com a consciência de que devem ficar em casa, então nosso interesse é deixá-los em isolamento. Outras pessoas não podem se dar esse luxo, por isso nosso foco principal é manter a alimentação dos mais vulneráveis”, explica o diretor.

Atualmente as quatro unidades funcionam com 70% da capacidade. A unidade situada na Câmara de Vereadores está fechada. Pessoas em situação de rua não pagam e beneficiários do Bolsa-Família têm 50% de desconto. Os preços das refeições: R$ 0,75 o café da manhã, R$ 3 o almoço e R$ 1,50 o jantar.

10 milhões vivem em privação severa de alimentos

Ainda que a prefeitura considere que as pessoas em situação de risco social não tenham sido tão afetadas pela queda no número de refeições servidas nos restaurantes populares, para o nutricionista Élido Bonomo é inegável que a redução de quase meio milhão de pratos surta efeitos na segurança alimentar coletiva. “O número em si preocupa, porque quem usa o restaurante ou não tem renda própria ou são assalariados de baixa renda”, diz o presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea- MG).

A avaliação do especialista é complementada pelo contexto nacional sobre pessoas em privação severa de alimentos. Bonomo lembra que atualmente são 10,3 milhões de brasileiros nessa situação, conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelados em setembro.

“Não ter emprego e nem o que comer é a perda de direitos e da dignidade humana. Temos que buscar acesso ao alimento, e uma forma disso é o restaurante popular, as cozinhas comunitárias, os bancos de alimentos e a alimentação escolar”, defende Bonomo. “É um público que ficou privado do acesso ao alimento de baixo custo”, completa.

Confira abaixo o número de refeições servidas nas quatro unidades dos restaurantes populares de Belo Horizonte durante o período de janeiro a setembro deste ano:

Unidade Centro: 624.396

Unidade Região Hospitalar: 344.210

Unidade Venda Nova: 176.442

Unidade Barreiro: 271.680

Unidade Câmara de Vereadores (fechada desde março): 40.527

Total de refeições servidas em 2020: 1.457.255 milhão