Arauto tradicional do Rock And Roll em Belo Horizonte nos últimos 21 anos, o Stonehenge Rock Bar, na rua dos Tupis, bairro Barro Preto, região Centro-Sul da capital, fechou as portas definitivamente neste sábado (10). O “buteco” já abrigou shows internacionais de peso, uma reportagem da National Geographic e mantém uma longa lista de fãs.
A informação é do proprietário, Rodrigo Cunha, que relata que não há mais perspectiva, a curto prazo, para manter o negócio devido à crise econômica e sanitária instaurada no país por consequência da pandemia.
Quando atendeu ao telefone da reportagem, o empresário estava, literalmente, retirando partes da estrutura da casa de show e, emocionado, pediu para que o contato fosse retornado um pouco depois. “Não dá mais”, lamentou. “Deixa eu terminar que converso contigo com o maior carinho”, completou.
Pelo Facebook, Cunha havia, primeiramente, anunciado o fim da jornada. “Muito obrigado de coração e de alma a todos os seres humanos e aos não humanos por participar dessa viagem magnífica, durante 21 anos conosco. Um forte e fraterno abraço a todos e um adeus com gosto de até logo”, publicou.
Quando atendeu ao telefonema, o empresário explicou as razões que o fizeram decidir por encerrar os negócios. “Não tinha condição para se manter dentro da diretriz (de reabertura) dentro da pandemia. Tirando isso, tinha o risco de contaminação dos meus funcionários, que trabalham há 15 anos comigo. Não consegui ficar tranquilo com isso", pontua.
"Quando liberaram consumo de bebida dentro de bar, meu movimento caiu 85% em uma semana, estava com a hamburgueria funcionando por delivery, mas o pessoal quis ir para a rua, né? Não tinha como mais ficar pagando para trabalhar”, lamenta.
O bar fechou as portas quatro dias antes do decreto publicado pela prefeitura de Belo Horizonte, no 14 de março de 2020, de maneira a de tentar conter a pandemia.
Mesmo com dificuldade nas contas, e a incerteza sobre o futuro, conta o proprietário, alternativas para conseguir manter o espaço, como vaquinhas virtuais, não foram tentadas.
“Pedir os outros para manter um bar é muito diferente de ajudar seu vizinho com uma cesta básica. A gente tem braço para se levantar em outro momento, quem tá com fome não tem. Não é hora de tentar fazer uma campanha para tentar salvar o bar”, defende.
Rodrigo é crítico à forma como a pandemia foi conduzida pelos governos, nas três esferas da Federação. O “abre e fecha”, argumenta, foi um “suicídio coletivo empresarial”.
“Toda vez que voltou bar (em BH) piorou a situação. Se ficar três meses fechado, o capital de giro acaba. Se for abrir, precisa ter grana para voltar com tudo. É suicido coletivo empresarial ficar abrindo e fechando. Não funciona. Não to falando do Kalil, nem do Bolsonaro, mas do Poder Público em geral. Ele arregaçou a população. Não teve um que teve a coragem de falar ‘vamos trabalhar direito’. Cada um trabalhou de um jeito”, pontua. “Tudo errado. Uma confusão danada”, acrescenta
O Stonehenge recebia, antes da pandemia de Covid-19, cerca e 450 pessoas por noite nos finais de semana. Caso o bar fosse reaberto durante as brechas na quarentena imposta pela prefeitura, a perspectiva era de que 80 pessoas, no máximo, poderiam ocupar o espaço. Para “zerar as contas” de uma noite, todavia, Rodrigo afirma que eram precisas, ao menos, 150 pessoas.
“Não tinha condição. Estou entregando o imóvel porque não tenho tranquilidade de virar para todo mundo que trabalha comigo e falar que vou segurar (a casa por) seis meses e voltar. Essa decisão veio ocorrendo durante o ano passado. A gente dá uma parada para pensar na vida, no jeito que as coisas vão... no meu seguimento, de casa cheia, todo mundo junto, neste ano não tem, nem ano que vem, acredito. Não dá para ficar sentado uma cama tomando café para fumar, como dizia Raul (Seixas)”, diz.
Apesar do fechamento, o dono da casa conta que está tranquilo com a situação. “Estou 100% desempregado, tem 14 meses que só tenho prejuízo, mas não tenho o que reclamar. Ninguém da minha família ficou doente, consegui colocar comida na mesa. Entrego o bar com muita tranquilidade, tentei. Mas pela circunstância do país, é muito complicado ter uma previsão e falar ‘vou segurar um mês’. Não vai, cara. Esse mercado ainda vai ser moldado, modulado, vai demorar uns três anos, para se encaixar dentro do novo negócio, e não tenho esse tempo. É melhor abrir uma lanchonete”, relata.
“Gratidão eterna” e história para contar
“Para gente, da casa, o Stonehenge não é um bar, era feito de pessoas. É um buteco, não tem luxo, mas porra, cara, fizemos (show da) Casa das Máquinas, fiz o Supla, Carro-Bomba. Uma infinidade de bandas. Chegou num ponto fiz Satírico, fiz uma infinidade de bandas internacionais”, lembra, com orgulho, Rodrigo.
A casa de show foi um dos encontros para a música autoral de Belo Horizonte, além de ser uma oportunidade constante para bandas covers, diz o empresário.
"Uma coisa que é muito relevante para mim, é que mesmo a gente tendo um trato constante com banda cover, a gente conseguiu fazer oportunidade para bandas autorais demais em BH. Levantamos o cenário de blues em Belo Horizonte, que era restrito às pessoas de mais de 50 anos. Eu trouxe o Lurrie Bell, queue foi considerado como um dos maiores guitarristas de blues, para tocar na casa. O vocalista do Buena Vista Social Club, Compay Segundo. É uma magia muito grande que, nem eu, como produtor, esperava”, lembra, com orgulho, Rodrigo.
O Stonehenge chegou, inclusive, a encabeçar um bloco de Carnaval, “Os Camisas Pretas”, que levou, por anos, mais de 10 mil pessoas às ruas de Belo Horizonte. “Falo com muita tranquilidade que estamos fechando, mas futuramente, podemos até pensar em retornar, mas, nesse momento, estou muito grato. Por tudo que consegui fazer. Se não fosse esse lugar não existia nada dessa história toda, essa comoção”, comenta.
Sobre o futuro, nada está definido. É possível que, caso haja estabilização econômica e condições sociais e sanitárias para o retorno do bar, as portas sejam novamente abertas. Mas, no momento, o empresário se contenta com a história que marcou o Centro-Sul da capital, e não esconde a emoção.
“O Stone não quebrou, mas a gente não tem condição de funcionar. A vida é um carrossel. A vida passa, e infelizmente temos que caminhar. Tentei vender o bar. Fiz todo o esforço para manter. Mas a vacina não chegou, e falta condução na pandemia. Porra, vou ficar com saudade demais. Das bandas, do publico. A gente criava arte junto. Enche a alma da gente de alegria. Gratidão eterna”, conclui Rodrigo.