Violência contra a mulher

Torcedora do Atlético denuncia assédio em jogo no Mineirão: ‘Nojo’

Dias antes, outra atleticana também foi vítima de assédio; o mesmo se repetiu com torcedora do América

Por Duda Gonçalves e Laura Maria
Publicado em 11 de novembro de 2021 | 13:55
 
 
Assédio aconteceu no Mineirão Foto: Reprodução/Twitter

“Quando lembro, tenho sensação de nojo.” É dessa forma que a torcedora do Atlético Débora Cotta se recorda do assédio vivido por ela durante jogo entre Galo e Corinthians realizado pela 31ª rodada do Campeonato Brasileiro na noite dessa quarta-feira (10), no Mineirão. A jovem descreveu o caso no Twitter, que viralizou. A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência da Polícia Militar, que registrou o caso como assédio sexual.

Débora conta que, depois do primeiro gol do Atlético, foi até o bar do Mineirão para buscar uma cerveja. Ela estava encostada em uma mureta, na fila para buscar a bebida, conversando com outra mulher, quando foi surpreendida por um homem com idade entre 45 e 50 anos.

“Ele chegou até mim e falou algo que não entendi. Em seguida, me agarrou de forma que não consegui me desvencilhar. Então, ele me beijou à força”, conta à reportagem de O TEMPO. A primeira reação da jovem foi se soltar e mandar o homem sair dali. “Então, ele saiu rindo e debochando. Não aguentei e fui atrás dele e dei socos, chutes e derrubei a cerveja dele”, relata.

Diante disso, Débora começou a pedir ajuda dizendo que tinha sido assediada. “Um cara que estava comendo feijão tropeiro por ali ainda me disse que não era pra tanto”, afirma. Ela só conseguiu ser auxiliada por um moça, que a levou para junto dos seguranças para relatar o caso.

Ao chegar nos seguranças, outro baque. Débora fala que se sentiu desamparada com a forma com que foi tratada. “Primeiro, perguntaram se havia testemunha, e eu disse que sim. Depois, disseram que eu precisava saber quem tinha feito aquilo, mas eu não sabia. Então, falaram que não poderiam fazer nada”, relembra.

Ela, então, começou a chorar. Só depois disso, é que foi atendida por outro segurança que a levou até à base da Polícia Militar. Uma câmera de segurança do bar registrou o crime e o rosto do agressor. “O policial me falou, inclusive, que na semana passada tinha registrado outro caso de assédio durante um jogo entre o Atlético e o Grêmio”, diz.

Por meio de nota, o Mineirão afirmou que teve conhecimento do caso na manhã desta quinta-feira, que está apurando o ocorrido e que entrou em contato com Débora. O espaço declarou ainda que é importante que denúncias como essa sejam feitas para que o “estádio leve ao conhecimento das autoridades policiais”.

A torcedora confirmou que o Mineirão entrou em contato com ela por mensagens, mas que vai responder por meio de advogados. Diante do caso, ela espera que o agressor seja encontrado. “Não espero menos que isso. Esse homem, quando for identificado, deve ser proibido de entrar no Mineirão. Ele não pode conviver com 60 mil pessoas”, espera a jovem que se tornou atleticana ainda na infância ao ver a paixão do pai pelo time.

A reportagem procurou a Polícia Civil, que informou que instaurou procedimento para apuração da ocorrência de importunação sexual. Disse ainda que diligências estão em andamento para identificação do suspeito.

O Atlético também foi procurado e disse que deve se posicionar ainda nesta quinta-feira (11) sobre o caso. A Grupa, coletivo de torcedoras atleticanas que lutam contra o preconceito, machismo e homofobia nos estádios, também se manifestou pelo caso. Informou que apresentou à direção do clube propostas de ações concretas, tais como uma “parceria com a Polícia Militar de Minas Gerais para a criação de uma ouvidoria para apurar casos de assédio, racismo, discriminação”. Veja o tuíte completo:

Mineirão lotado, reencontro da massa com o time num momento único e… reincidência de casos de assédio a torcedoras. A cada partida desse encontro, aparecem denúncias de assédio, com algumas, inclusive, evidenciando o despreparo das instituições em lidar com a situação.

— Grupa (@grupagalo) November 11, 2021

Casos frequentes de assédio

Acompanhadas dos familiares, namorados ou amigos, ainda assim, mulheres foram vítimas de assédio sexual nas dependências do Mineirão. A reportagem de O TEMPO conversou com outras torcedoras do Atlético que relataram o ocorrido também nos jogos contra Grêmio e Corinthians.

Karinne Marques Guimarães, de 21 anos, foi vítima de assédio sexual no Mineirão, no jogo entre Galo e Grêmio, em 3 de novembro. Ela estava no setor vermelho inferior, e ao se dirigir ao bar para buscar bebida, um homem passou a mão em seu corpo. “Ele foi se aproximando demais, ficou parado atrás de mim, e senti a mão dele passando na minha bunda. Ele despistava fingindo que estava tentando acessar o balcão do bar. Até que ele apertou com força, foi tanta que eu cheguei a levantar os pés do chão", conta. 

A estudante procurou por seguranças do Mineirão para pedir ajuda e relata que foi recebida com deboche e indiferença à situação. “Perguntaram se eu ia conseguir identificar a pessoa. Me acompanharam sem vontade nenhuma de resolver o problema. Conseguimos identificar, e não fizeram nada. Questionaram ao assediador se ele tinha supostamente apertado minha bunda” disse. Karinne ainda relata que foi desencorajada de registrar o Boletim de Ocorrência, e que só recebeu assistência após sua publicação viralizar nas redes sociais.

Foi no setor inferior laranja, no clássico entre Galo e América, no último domingo (7), que uma estudante de psicologia de 19 anos — que prefere não ser identificada — viveu o mesmo drama. “Quando chegamos na fileira (da arquibancada) ele já tinha mexido comigo e derramou uma cerveja em mim, na minha bunda. Comentei com meu namorado, e quando virei as costas senti ele encostando em mim. Isso não é normal, fiquei assustada, porém, queria evitar confusão”, explica.

A torcedora conta que, em seguida, teve o cabelo puxado. Foi quando a discussão começou. “Ele saiu, buscou cerveja e voltou. Pedi para que as pessoas não dessem espaço, e ele falou que ia meter a porrada em mim. Chamei a polícia. Ele resistiu à prisão, bateu nos policiais, que conseguiram conter ele, no segundo tempo do jogo”.

Ela conta que já foi vítima de outras formas de assédio no estádio, mas foi a primeira vez que chegou a esse ponto. “Nunca me senti tão mal. Fiquei em choque. Apenas no fim do jogo fui entender o que estava acontecendo, e comecei a chorar. Estava com medo”. A torcedora relata ainda que registrou Boletim de Ocorrência e que o assediador chegou a ser preso, porém, foi solto nesta quarta-feira (10). Por isso, ela está com medo de represálias e de voltar ao estádio.

A Polícia Civil informou que também está investigando outros dois casos envolvendo assédio em estádios. "A Polícia Civil informa que no dia 07/11, foi ratificado o flagrante do suspeito pelos crimes de importunação sexual, ameaça e desobediência. Os registros dos dias 3/11 e 10/11 estão em apuração e os suspeitos ainda não foram identificados".