Sem aulas

Voltando a trabalhar fora, pais se desdobram para ter onde deixar os filhos

Infectologista dá dicas para minimizar riscos de contágio se for necessário deixar os filhos com avós ou outras pessoas do grupo de risco

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 01 de junho de 2020 | 17:31
 
 
Heitor, 3, tem ficado com os avós todos os dias, já que a mãe precisa sair para trabalhar fora de casa Foto: Flávio Tavares / O Tempo

Com a reabertura de estabelecimentos em várias cidades de Minas Gerais, inclusive na capital, pais que trabalham fora de casa se veem em um dilema: onde e com quem deixar os filhos enquanto estão no trabalho, já que escolas e creches permanecem fechadas?

A cabeleireira Ana Carolina Vale, 39, fechou seu salão de beleza no mesmo período em que as aulas presenciais foram suspensas em Belo Horizonte, e desde então vem permanecendo em casa com os dois filhos, Eduardo, de 6 anos, e Joana, de 3. Passando por apertos financeiros desde a suspensão do funcionamento dos salões, ela se alegrou com o decreto que permite a reabertura deles na capital, mas esbarrou no obstáculo de não ter com quem deixar as crianças neste momento.

“Nessas horas, quem salva a gente são avô e avó, mas eles são do grupo de risco e sei que as crianças podem ser transmissoras assintomáticas”, diz. Ela chegou a deixar os filhos com a mãe na última semana para reabrir o salão, mas agora procura uma funcionária para passar todos os dias na casa dela e cuidar das crianças temporariamente enquanto está fora, mesmo que isso aperte o orçamento. O receio de contaminação é tanto que Ana Carolina tem usado máscara dentro de casa quando está com os filhos. 

Com a pandemia, a opção de deixar as crianças com os avós ganha novos riscos, já que os mais velhos são mais sensíveis à Covid-19. Mesmo ciente do perigo, a designer industrial Rafaela Cardoso, 29, deixa o filho de 3 anos, Arthur, com as avós alguns dias da semana. 

A empresa onde trabalha ofereceu uma redução de salário e expediente de pelo menos 25% aos funcionários, e ela optou pelo corte de 50%: “Tive que fazer isso devido à dificuldade em contratar alguém para cuidar do meu filho durante a manhã. O pai é professor universitário no período da noite e instrutor de academia de manhã. Fica difícil para ele conciliar trabalho e cuidados com a criança o dia inteiro”, diz.

A esperança dela é que a escola do filho volte a funcionar presencialmente. Já que é uma instituição privada, Rafaela espera que a escola consiga manter as turmas mais reduzidas e em turnos diferentes. Já a lojista Emanuela Alves, 37, teme a volta às aulas presenciais, mesmo também estando com dificuldade com o filho em casa. “Sei do meu cuidado com ele, mas não do de outras pessoas”, justifica. 

Moradora de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela tem tentado equilibrar a rotina há quase um mês. Dona de uma loja de acessórios, onde não tem outros funcionários, tem saído para trabalhar desde o dia 4 de maio. Sem condições financeiras para contratar uma babá e com o marido trabalhando fora também, deixa o filho Heitor, de 4 anos, na casa dos pais dela todos os dias.

“Entendo que exponho meus pais ao risco quando deixo meu filho com eles. Não fico 100% segura, porque tenho contato com outras pessoas e, depois, com ele. Deixo ele com os avós por desespero mesmo, por não ter com quem mais deixar”, conta Emanuela.

Antes de chegar na casa dos pais, ela liga e pede que a mãe deixe Heitor distraído em algum cômodo, enquanto ela corre para tomar banho e trocar a roupa com que trabalhou. “Tenho uma mala com roupa no carro e já aconteceu até de ter que vestir as da minha mãe mesmo”, diz. 

A mãe de Emanuela, Marta Santos, 69, afirma estar reforçando a higienização em casa e evitando os abraços e beijos no neto. “Eu não tenho medo de o vírus chegar a mim a partir do meu neto, até porque não tem outra alternativa a não ser ficar com ele. A escola está fechada, então como vamos fazer para ele ser olhado?”, explica. 

A Prefeitura de Belo Horizonte foi procurada pela reportagem para esclarecer se tem planos para ajudar as famílias nos cuidados com as crianças durante a suspensão das aulas. Por meio de assessoria de imprensa, informou que o Comitê de Enfrentamento à Epidemia da Covid-19 discute alternativas e não deu mais detalhes. A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) também foi questionada se tem planos para auxiliar famílias nessa situação, mas não retornou até a finalização desta matéria. 

Infectologista dá dicas para minimizar riscos de contágio ao deixar os filhos com avós ou outras pessoas

O recomendado é não expor as pessoas do grupo de risco. Precisando deixar os filhos com os avós ou outras pessoas do grupo, porém, o ideal é as crianças permanecerem com eles por tempo indeterminado, para que não tenham contato frequente com os pais que trabalham fora, segundo o infectologista e pediatra Marcelo Otsuka, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Mas, se a alternativa é impossível e os pais precisam deixar e buscar os filhos todos os dias, o médico lista alguns cuidados necessários.

“Se trabalhou, não vá direto para a casa dos mais idosos. O ideal é se descontaminar antes, trocar de roupa, tomar banho e usar máscara. Não chegue perto dessas pessoas de maior idade também, só busque a criança”, diz.

Ele lembra que há estudos que indicam que crianças transmitem menos a Covid-19, mesmo ainda sendo vetores em potencial. Em muitos casos, alerta, nem é a criança quem contagia os avós, e sim os pais que contaminam os avós e os filhos ao mesmo tempo. “O ideal é até que os avós usem máscara com a criança. E é preciso evitar beijos e abraços, mesmo sendo difícil”, continua o infectologista.

No caso de quem conta com babás ou outras pessoas em casa para cuidar das crianças, os cuidados precisam ser os mesmos. Se é alguém que vai e volta todos os dias, precisa reforçar os cuidados de higienização e distanciamento social no caminho. 

Em casa, também é hora de diminuir a proximidade entre pais que trabalham fora e filhos, defende o médico: “Evite esses contatos mais íntimo, como beijos, porque a chance de transmissão é grande pela boca, pelo nariz e pelos olhos. Passar a mão no próprio cabelo e depois pegar no rosto da criança, por exemplo, pode levar a contaminação”. 

Otsuko trabalha no Hospital Infantil Darcy Vargas, em São Paulo, que presta atendimentos de alta complexidade. Ele conta que todas as crianças que farão alguma cirurgia precisam passar por triagem para Covid-19, e pelo menos dez já tiveram diagnóstico positivo nessa situação, mesmo estando completamente assintomáticas.       

Outra preocupação do médico é que pais pensem que crianças são imunes aos efeitos do coronavírus. A ciência tem apontado que elas são menos suscetíveis aos sintomas graves da Covid-19, mas não estão blindadas contra eles. “O risco de crianças precisarem de UTI é muito pequeno, mas há outros casos graves que podem acontecer com a doença. Temos observado cada vez mais casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica nas crianças”, aponta Otsuka. 

A Síndrome Inflamatória Multissistêmica é um conjunto de sintomas — como febre, manchas vermelhas na pele e dores no estômago. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o problema pode estar associado à contaminação por Covid-19 em crianças e adolescentes, e é possível levar a quadros graves.

Quem tem recém-nascidos em casa também precisa redobrar os cuidados de higiene. Nada de visitas para conhecer o bebê durante a pandemia, por exemplo — o médico pontua que, mesmo antes dessa época, havia recomendação para não apresentar o bebê a outras pessoas de fora da casa durante pelo menos dois meses.

Otsuka alerta que os maiores deslizes dos pais continua sendo fora de casa: “O principal erro que vemos é que as pessoas não respeitam as regras. Ficam na rua próximas uma das outras, põem a mão no rosto toda hora e não usam a máscara corretamente. Elas começam a se contaminar fora do ambiente familiar”.