Mariana, 5 de novembro de 2015, 19 mortes. Brumadinho, 25 de janeiro de 2019, 246 mortes confirmadas e 24 pessoas desaparecidas. Nessas duas cidades, onde as barragens se romperam, as indenizações e reparação de danos estão sendo calculadas. Em São Sebastião das Águas Claras (distrito de Nova Lima conhecido como Macacos) e Barão de Cocais, as estruturas ainda estão de pé, mas bastou o risco de rompimento para retirar 721 pessoas de suas casas. Seja onde já passou ou onde ela ainda é invisível, a lama acabou com vidas, com projetos, com empregos, com renda e com perspectivas. Em um ano, o número de demissões nessas quatro comunidades cresceu 23%, de acordo com dados de abril do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). E a cada dez demissões, praticamente sete foram nos setores de comércio e serviços, profundamente afetados pela crise econômica que atingiu essas quatro localidades no rastro da lama e da possibilidade de novos desastres.
Sem vender como antes, também não há emprego nem dinheiro. O futuro está em risco. E esse é o nome da série de reportagens que contará, a partir deste domingo (23), o que está acontecendo com esses quatro municípios, percorridos pela reportagem de O TEMPO nas duas últimas semanas, onde moram 134.981 habitantes. Pessoas que, juntas, convivem com os impactos de 63,19 milhões de metros cúbicos de rejeitos, derramados ou não. O volume é igual a seis lagoas da Pampulha. Com todas as diferenças, moradores das quatro cidades compartilham problemas como dívidas, desemprego, perda de faturamento, insônia, depressão e extinção de modos de vida e de sustento. Separadas por 126 km, a família de Bruna Campos, em Brumadinho, e a de Marino D’Ângelo, em Mariana, enfrentam o mesmo dilema: perderam as terras onde plantavam e agora não têm renda para pagar as dívidas.
Sob a sombra de um rompimento de barragem, que ainda nem aconteceu, comerciantes como Toninho Lázaro, em Barão de Cocais, a 72 km de Mariana, e Rolf Flister, em Macacos, a 97 km de Brumadinho, estão vendo os clientes sumirem. No distrito de Nova Lima, a prefeitura calcula que, desde fevereiro deste ano, quando foi acionada a sirene sinalizando risco, 95% dos turistas desapareceram. “Vir para Macacos era um sonho antigo. Investi R$ 230 mil num projeto de vida. Abri a marcenaria bistrô Cabana em outubro, e, quatro meses depois, a sirene tocou. Estava em ascensão, o público aumentava 15% a cada fim de semana. Agora acabou”, lamenta Rolf.
Em Barão de Cocais, os meios-fios pintados de laranja indicam aonde a lama chegaria em caso de rompimento e afastam os clientes. “Muita gente evita vir ao centro. As pessoas pensam: para quê vou comprar agora, se a lama pode vir e eu perco tudo? Eu já cheguei a levar meu estoque da loja para guardar em casa, numa parte mais alta, para o caso de acontecer algo e a lama atingir a loja”, conta Toninho Lázaro, dono da Santa Terezinha Artigos Religiosos.
As medidas de reparação das mineradoras responsáveis variam em cada caso, trazendo desafios, como, por exemplo, lidar com indenização de atividades informais e ressarcir comerciantes pela renda que vão deixar de ter. Em Brumadinho, o comércio vive um boom imediatista com o pagamento auxílios financeiros emergenciais pela Vale. Enquanto isso, em Mariana, pescadores que perderam a fonte de renda com a contaminação dos afluentes do rio Doce não conseguem sequer uma cesta básica da Fundação Renova.
O cenário instaurou sensação de insegurança, comum nas quatro comunidades. Na avaliação da antropóloga Andréa Zhouri, vidas foram interrompidas. “O horizonte do futuro foi retirado da população, que está vivendo como se fosse um estado de emergência permanente”, destaca.