Brumadinho está vivendo um fenômeno curioso. Na zona rural, em Parque da Cachoeira, região mais afetada pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, o comércio está vazio. “Caiu uns 80%. Muitas clientes minhas se mudaram”, lamenta Lúcia Fernandes, 44, que há 17 anos tem um salão de beleza na região. Já no centro da cidade, as lojas nunca estiveram tão cheias. O aquecimento é reflexo do auxílio financeiro emergencial que a Vale está pagando para moradores. Cada adulto ganha um salário mínimo, adolescentes recebem meio salário e crianças, cerca de R$ 250. O objetivo de movimentar a economia da cidade após o desastre foi alcançado. Mas, junto, veio também um efeito negativo: a mão de obra sumiu.
Enquanto o problema de Lúcia Fernandes é arrumar clientes, o de Rosângela Santos, 39, dona de uma franquia de salão da Socila no centro da cidade, é encontrar funcionárias. “Eu tinha 14 meninas trabalhando comigo. Logo após a tragédia, era tanta tristeza que o movimento caiu demais. Quando voltou a normalizar, a Vale começou a pagar a ajuda e sete meninas pediram para sair. Não achei ninguém para repor em Brumadinho e tive que buscar funcionárias nas cidades vizinhas”, conta a empresária. A alternativa, no entanto, gerou um aumento de custos de 30%, pois ela precisa ajudar na passagem. “O lucro caiu na mesma proporção”, afirma.
A situação trouxe uma oportunidade de trabalho para Brenda Lopes, 23, que vai todo dia de Mário Campos para o salão de Rosângela. “Eu estava desempregada e apareceu essa oportunidade”, conta a cabeleireira, que espera continuar no trabalho, mesmo depois que a Vale parar de pagar a “ajuda de custo” para os moradores. “Quando janeiro chegar, muita gente vai ficar desempregada, mas eu não vou demitir quem está comigo para colocar quem saiu”, explica Rosângela.
As indenizações emergenciais são resultado de um acordo firmado entre Vale, Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais, Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Advocacia Geral da União, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União. O compromisso é pagar os salários até dezembro deste ano. Nada se fala sobre prorrogação.
E depois?
O professor de economia do Ibmec e pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP), Glauber Silveira, avalia que o impacto psicológico da tragédia é grande e destaca que essas pessoas precisam de suporte e orientação financeira. “Essas pessoas sofreram com perdas de familiares e de renda. Quando uma pessoa está desmotivada e recebe alguma ajuda financeira temporária, ela não vai querer mais fazer aquele trabalho pesado, pelo qual era mal remunerada”, analisa Silveira. “Mas em janeiro de 2020, quando acabar essa transferência de renda, vai ser outro problema. Várias pessoas vão se tocar que estão sem emprego e sem perspectiva. Não vai ter vaga para todos e a economia pode entrar em colapso”, avalia o professor.
Trauma faz pessoas priorizarem o imediato
Nos primeiros meses após o rompimento da barragem em Brumadinho, o comércio viveu uma retração de até 70%, segundo pesquisa da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da cidade. Agora, o cenário é de reviravolta. Sócios da loja de roupas Cabocla, no centro do município, os irmãos Rafael e Gabriel Campos demoraram dois meses para conseguir preencher duas vagas. A dificuldade, segundo eles, está diretamente relacionada ao fato de que muitos moradores da cidade pediram demissão depois que a Vale começou a pagar o auxílio financeiro emergencial. “Sabe aquela cena de uma criança chorando pedindo para mãe comprar algo? Aqui não vemos mais, pois antes da criança chorar, a mãe já está comprando”, diz Rafael.
Na avaliação da professora do departamento de antropologia da UFMG, Andréa Zhouri, a escolha de não trabalhar neste momento não indica que as pessoas sejam preguiçosas. “É preciso levar em conta que elas não estão vivendo uma vida normal. Estão num contexto traumático de crise e perderam a capacidade de fazer planos. Na verdade, o fluxo da vida que levavam foi interrompido e elas não sabem nem se estarão vivas amanhã. Perderam o horizonte do futuro, por isso, vivem um ritmo imediato”, avalia.
O analista do Sebrae Renato Lana destaca que o momento é de oferecer suporte. “Estamos estruturando eixos de trabalho sobre educação financeira e empreendedorismo. Em agosto, devemos começar um projeto com alunos de 16 a 18 anos de escolas estaduais”, afirma.
“Moro em Mário Campos. Eu estava sem emprego e veio essa chance em Brumadinho.”
Brenda Lopes, 23, Cabeleireira
“As pessoas estão gastando mais. Mas, se pudessem, escolheriam nunca ter recebido.”
Gabriel Campos, 29, loja de roupas
Orientação
A prefeitura de Brumadinho, a CDL e o Sebrae organizam campanhas de sensibilização financeira e empreendedorismo. Para informações sobre cursos no Sebrae, o telefone é (31) 3379-9179.