Custo alto

Da mensalista para a diarista

Empresas que encaminham pessoal para serviços domésticos sentiram queda nos pedidos

Dom, 09/06/19 - 03h00
No bolso. Thamires Ferreira, a Thatá, tinha cinco clientes fixas de faxina e agora tem duas; ela acha que o serviço é visto como supérfluo | Foto: João Leus

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A lei trouxe grandes avanços para os trabalhadores domésticos, mas também assustou os patrões, que têm buscado alternativas para manter os serviços de limpeza sem o ônus das obrigações legais. “Não tem como negar os efeitos da lei. Quem tinha mensalista agora prefere diaristas. E, para não criar vínculos, muitos clientes contratam mais de uma profissional, que vão se revezando para não ir mais de duas vezes por semana”, conta a dona da agência de serviços domésticos Família Feliz, Cléa Marques. Trabalhar três vezes por semana na mesma casa configura vínculo empregatício.

De acordo com a empresária, metade dos contratantes já tem optado pelo esquema como forma de reduzir custos. Ela estima que, em média, as domésticas com carteira assinada recebam R$ 1.300, além do transporte. Com os encargos do FGTS e do fundo de demissão, o custo sobre para R$ 1.560, fora o recolhimento do INSS. Já a média paga a uma diarista é de R$ 120, mais a passagem. Quem escolhe quatro vezes por semana, com duas faxineiras, vai ter um gasto mensal de R$ 1.040. “A busca maior é pela economia dos custos adicionais que o vínculo empregatício gera, como férias e 13° salário”, avalia Cléa.

O coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, afirma que a estratégia não é ilegal. “É uma alternativa para evitar uma despesa num momento de corte de gastos”, analisa.

Deise Cássia é diretora de duas unidades da franquia de serviços de limpeza Maria Brasileira. O foco são diaristas, mas ela também encaminha domésticas com carteira. “Logo que a lei entrou em vigor, em 2015, nossa procura aumentou demais, pois, ao chamar uma das nossas profissionais, os clientes não pagam os encargos, que ficam com a gente. As pessoas não querem ter essas responsabilidades. Por mês, temos cerca de 500 diárias. Já as domésticas, temos encaminhado no máximo duas”, compara.

Deise afirma que a demanda pelas diaristas também está menor. “Caiu por causa da crise. Nossa média mensal caiu entre 70 e 100 diárias”, conta.

A empresa tem apostado em pacotes promocionais para atrair clientes. “Uma diária, incluindo alimentação e transporte, é R$ 168. No pacote com oito diárias no mês, o valor de cada uma cai para R$ 135. É uma forma de incentivar as pessoas. Dessa maneira, também nos programamos melhor. Também damos descontos de 15% em um segundo serviço contratado ou na próxima diária”, conta Deise, que conta com 22 profissionais.

Renda média caiu de R$ 4.000 para R$ 1.500

A crise fez muita gente trocar empregada por diarista, mas elas também estão sentindo no bolso os efeitos da conjuntura econômica. Uma das fundadoras do coletivo de faxina Tereza de Benguela, Renata Aline Guimarães, 38, lembra que, em 2015, as profissionais chegavam a ganhar até R$ 4.000 por mês. Hoje, a média caiu para R$ 1.500. “De um ano para cá, a situação tem piorado mais. Antes, tinha menina que fazia duas faxinas por dia. Na semana passada toda, não apareceu nenhuma demanda. Até baixamos o preço médio de R$ 150 para R$ 135”, conta.

Thatá Ferreira, 27, faz parte do coletivo há quatro meses, desde que foi demitida do antigo emprego. “Eu tinha cinco clientes fixas e agora só tenho duas. As pessoas estão apertadas e, para economizar, cortam a faxina, que acaba sendo considerada uma despesa supérflua”, diz.

A rotina das faxineiras também piorou. Quem chamava toda semana agora chama uma vez por mês. Com mais sujeira acumulada, o trabalho fica mais pesado.

 

Minientrevista

Mário Avelino

Instituto Doméstica Legal

presidente

Quando a Lei das Domésticas foi criada, em 2015, a expectativa era gerar mais empregos com carteira assinada. Mas os dados do IBGE mostram que o percentual de domésticos sem carteira nunca foi tão alto. Você acha que a lei não pegou?

A lei pegou, sim, tanto que aumentou o número de trabalhadores com carteira assinada em 390 mil, desde 2015. Na realidade, o percentual (da informalidade) pode ser maior, mas o número de trabalhadores com carteira assinada aumentou. Em agosto de 2015 eram 1,19 milhão. Em abril deste ano, foram 1,58 milhão.

O aumento dos custos com encargos trabalhistas contribuiu para o crescimento do percentual de domésticos sem carteira?

É a crise que gera demissões. Estamos vivendo uma crise há quatro anos, e ela prejudica a todos. Muitos empregadores foram demitidos, muitos negócios foram fechados, e isso gerou demissões dos trabalhadores domésticos também. Se não fosse a crise, talvez tivéssemos 2 milhões a mais de empregados formais.

Quais os avanços trazidos pela lei?

A lei deu ao empregado doméstico todos os direitos que os trabalhadores de uma empresa privada têm, com exceção do abono do PIS. Garantiu FGTS obrigatório, adicional noturno e hora extra.

O que ainda precisa melhorar?

Neste ano, acabou a dedução das despesas com empregado para quem faz declaração de Imposto de Renda completa. Se não renovarmos a lei, a partir do ano que vem o custo será maior para o empregador.

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