A exportação de pescados parou. Nesta quinta-feira (10), apenas um dia depois de o presidente americano Donald Trump anunciar a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, um total de 58 contêineres frigoríficos carregados com cerca de mil toneladas de peixes deixaram de embarcar em navios com destino aos Estados Unidos.
A informação foi confirmada à reportagem pela Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescados), que representa o setor dentro e fora do país. Esses contêineres estão distribuídos por portos como Salvador (BA), Pecém (CE) e Suape (PE), aguardando a definição sobre o impacto das taxações nas importações brasileiras.
"A verdade é que o setor está desesperado, porque tudo parou nas exportações e isso vai se complicar ainda mais, se não houver uma solução urgente. A suspensão dos embarques partiu dos próprios compradores, porque ainda não sabem quanto pagarão pelos pescados", disse à reportagem o presidente da Abipesca, Eduardo Lobo Naslavsky.
Segundo Naslavsky, não houve um cancelamento dos pedidos, mas uma suspensão dos embarques, pelo fato de os importadores americanos não terem, neste momento, uma ideia clara de quanto, afinal, pagarão pelo produto. "A depender do valor, eles querem renegociar. Está colocado o impasse", disse.
O tempo médio de transporte marítimo até os Estados Unidos é de 18 a 20 dias, o que inviabiliza novas remessas, já que os importadores não querem arcar com o novo custo tarifário.
O setor pesqueiro brasileiro movimenta cerca de R$ 20 bilhões por ano, dos quais aproximadamente US$ 600 milhões estão ligados às exportações. Deste total exportado, entre 70% e 80% têm como destino os Estados Unidos, o que torna o país o principal mercado externo do Brasil, já que a União Europeia mantém grande parte de seu mercado fechado desde 2017, por questões sanitárias ligadas à rastreabilidade do pescado nacional.
De acordo com a Abipesca, a exportação representa cerca 15% do mercado nacional de pescado. Entre os produtos mais exportados estão a tilápia, com vendas mensais de US$ 6 milhões (aproximadamente 500 toneladas por mês). O consumidor brasileiro consome cerca de 75% da tilápia que produz, sendo 25% exportada. Os Estados Unidos compram praticamente 95% dessa remessa.
No caso da lagosta, 90% da produção brasileira é exportada e quase totalmente vendida para o mercado americano. O atum de profundidade (longline) também tem 90% de sua produção destinada à exportação, com apenas 10% consumido internamente.
"O mercado americano é prioridade máxima. O setor hoje clama para que o governo tenha cautela, que vá para a mesa falando de economia e de números, que tire a politização da discussão e que peça ao governo americano 90 dias de adequação, que é o tempo suficiente para que a gente consiga escoar pelo menos o que está dentro de casa e que a gente consiga desacelerar toda a máquina de exportação com calma, para que os prejuízos sejam mitigados", disse Eduardo Lobo Naslavsky.
A cadeia produtiva da exportação de pescados no Brasil gera 5.900 empregos diretos nas indústrias e cerca de 38 mil empregos indiretos, envolvendo pescadores artesanais e aquicultores familiares.
Segundo o executivo, não há condições de o mercado brasileiro absorver a produção que tem os EUA como destino, devido aos custos de produção já inseridos no processo.
"O preço vai ficar inexequível, porque é um produto inelástico. Se eu tenho um produto que eu preciso vender por 50 e ofereço ele por 25, eu posso até ter uma reação do mercado no primeiro momento, mas eu não vou ter reposição, porque isso não se sustenta", comentou. "Não gera possibilidade de nova captura. A conta não fecha. O Brasil fica inviabilizado para as exportações."
O agronegócio, de maneira geral, vive um clima de tensão e espera que o assunto com os EUA se resolva de forma diplomática, com o recuo dos americanos. Até o momento, porém, não há sinais de que isso vá ocorrer e o governo brasileiro já fala em aplicação do princípio da reciprocidade, ou seja, de sobretaxar os americanos no mesmo patamar.
Produtores brasileiros de suco de laranja falam em risco de colapso no setor. O Brasil é hoje o maior produtor e exportador de suco de laranja do planeta, vendendo 95% de sua produção para o Exterior. Desse volume, 42% tem os Estados Unidos como destino.
Os exportadores de carne afirmam quem, se a sobretaxa for mantida, fica inviável seguir com a exportação da proteína para os EUA. A alíquota de 50% faria preço médio da carne exportada saltar de US$ 5.732 por tonelada para cerca de US$ 8.600.
O setor cafeeiro nacional diz que vê o cenário com muita preocupação. O Brasil é o principal fornecedor de café aos EUA e os americanos são os principais importadores do produto brasileiro. Entre janeiro e maio de 2025, os Estados Unidos compraram 2,87 milhões de sacas do Brasil, o equivalente a 17,1% de todo o volume exportado pelo país.
A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) declarou que a medida americana "representa um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países" e que "a nova alíquota produz reflexos diretos e atinge o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras".