“Como é que eu estou devendo? Sou sobrinha do dono do banco”, brincou a jornalista Renata Cruz enquanto atendia à “milésima” ligação de uma empresa que cobrava uma dívida que não existe. O deboche, explica, ocorreu após ela ter perdido a paciência com os insistentes telefonemas que recebeu nos últimos meses, referentes a um suposto débito de R$ 6.900 que teria desde quando fora correntista do antigo Banco Real, há 18 anos.
Contudo, ela havia encerrado completamente a conta na época, o que impossibilita a geração de taxas durante o período. Quase 20 anos depois, ela conta que recebe ao menos três ligações por semana de uma empresa que afirma ter comprado as dívidas do banco, cobrando-lhe o valor inexistente. “Às vezes começam a me ligar antes das oito da manhã, falam que a conta foi transferida do antigo Banco Real para o Santander, no qual nunca tive conta. Não faz sentido algum”, explica.
Reclamações registradas no Procon Assembleia referentes a cobranças indevidas somavam 1.951 até as duas primeiras semanas de dezembro deste ano, ante 1.764 em 2018. Especificamente em relação a atendimento bancário, as queixas registradas no órgão foram 13 em 2019 e, no ano passado, 14. Há dois principais problemas relacionados a instituições financeiras que chegam ao Procon, explica o coordenador do órgão, Marcelo Barbosa. O primeiro, mais recorrente, acontece quando o correntista, por alguma razão, não utiliza mais a conta registrada em seu nome.
Assim, mesmo sem movimentação financeira, a conta pode gerar taxas a partir de crédito ou cheque especial disponíveis para o correntista, por exemplo. Segundo Barbosa, é comum que consumidores só se deem conta da dívida anos depois. “O encerramento de uma conta é um procedimento formal, que necessita de formulário declarando que está tudo ‘ok’, que não há débitos a pagar”, afirma.
A outra situação, como ocorreu com Renata Cruz, acontece ou quando há abertura de contas de forma fraudulenta, sem o consentimento do consumidor, ou quando dívidas que não existem são cobradas indevidamente. “Neste caso, há previsão até de dano moral. Se a pessoa, por exemplo, ficar com o nome sujo, ela deve ser ressarcida; se precisou pagar alguma coisa, deve receber em dobro o valor gasto”, diz Barbosa.
A orientação para lidar com situações abusivas envolvendo entidades financeira, explica o Procon, é, primeiro, buscar o gerente da conta ou um representante em uma agência física do banco. Caso não se resolva, é necessário fazer uma denúncia no Banco Central (BC) e, em seguida, procurar os Procons. Em última instância, deve-se acionar o Poder Judiciário.
Banco deve avisar se conta está inativa
Por autorregulação, a partir de determinação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as instituições financeiras devem notificar consumidores cujas contas estejam sem movimentação por mais de 90 dias. Com isso, os correntistas têm a opção de mantê-las ou não e ficam cientes da possibilidade de geração de taxas ao longo do tempo.
A medida foi determinada pelos bancos para minimizar a judicialização que ocorre quando clientes “esquecem” uma conta e, por isso, acabam criando dívidas que não sabiam. A entidade definiu também que é preciso informar ao cliente que o encerramento de uma conta, quando requisitado, pode ocorrrer em até 30 dias corridos a partir da data estipulada.
Contudo, para o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, seria necessária uma resolução definitiva do Banco Central (BC) para tratar do problema de forma ampla e respaldar o consumidor. “A pessoa tem que saber que ainda tem essa conta, evitar esse acúmulo de taxas de contas que não são utilizadas”, argumenta.
Se o banco não notificar o consumidor dentro do prazo estabelecido pela Febraban, explica Barbosa, ainda há algum respaldo legal para reaver o dinheiro perdido. “É preciso notificar o banco, falar que ele não avisou o consumidor, para tentar eximir o pagamento desse montante”, diz.