Com os valores do dólar e do barril de petróleo nas alturas, o brasileiro poderia contar com um combustível que não depende de matéria-prima importada para ser produzido. Mas, mesmo que a cana-de-açúcar seja cultivada em diversos Estados do país, o etanol também passou por uma escalada de preços acentuada, deixando de ser uma alternativa viável para o motorista. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), na semana passada, o preço médio do etanol hidratado em Belo Horizonte era de R$ 4,904, enquanto o da gasolina comum era R$ 6,490. Em alguns postos, já passa de R$ 5. Ou seja, o valor médio do etanol é equivalente a 75% do da gasolina, deixando de ser mais vantajoso para a maioria dos veículos – de maneira geral, é melhor abastecer com etanol, nos carros flex, quando o preço está menor do que 70% da gasolina.
Em um ano, o valor do álcool na capital mineira passou por um aumento de 68,4%, em linha com as altas do preço da gasolina. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o etanol foi um dos vilões da inflação na capital em setembro, com um aumento de 5,16% somente naquele mês. E esse aumento acaba contribuindo para um crescimento ainda maior na gasolina, que tem 27% de etanol em sua composição. De acordo com Vaníria Ferrari, professora de economia da Una, vários cenários levaram ao aumento do preço do etanol, como os problemas climáticos que afetaram a safra da cana e a preferência dos usineiros pela exportação do açúcar – movidos pelo alto valor do dólar e pela grande demanda pelo produto no mercado externo. As usinas podem produzir com a cana tanto álcool quanto açúcar. Com o preço bom para exportar, acabam focando a produção do açúcar, o que afeta a oferta de álcool.
Mas a lei da oferta e da procura tende a ser, neste momento, o fator mais forte para a elevação do preço do combustível. “No caso do etanol, estamos passando por uma inflação de demanda. Isso acontece porque o etanol é o substituto da gasolina. Na economia, existe uma tendência de, quando um produto tem seu valor elevado, as pessoas migram para o substituto. Então, houve uma migração para o etanol, e as empresas aumentaram o preço. Este é um movimento normal na economia”, explica a professora. Como não há uma regulação específica para esse mercado, Vaníria acredita que uma solução para derrubar o preço do etanol seria incentivar uma maior produção do etanol no país. “Se tiver mais oferta, um produtor vai ter que ser mais competitivo em relação ao outro, e o único caminho para isso vai ser vender mais barato”, afirma a especialista, acrescentando que uma reforma tributária poderia impactar positivamente os valores dos combustíveis.
A perspectiva não é boa para os próximos meses em relação aos valores dos combustíveis. A safra da cana se encerra em novembro, e por isso o preço do etanol deve subir no primeiro trimestre de 2022.
E não há perspectiva para uma queda acentuada no dólar, que interfere totalmente no preço da gasolina. “O Banco Central espera que o dólar fique em R$ 5,20 na virada do ano, e a expectativa para 2022 não é boa. É um ano eleitoral, e naturalmente há uma incerteza dos investidores sobre os rumos da política e dos planos econômicos para o país. Não podemos esperar pela chegada de investimentos estrangeiros”, avalia Vaníria Ferrari.
Especialista defende mercado mais regulado
Para Cloviomar Cararine, analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o Brasil deveria ter planejado melhor sua produção energética ao longo dos anos para enfrentar crises, como a da pandemia ou da alta do barril no mercado internacional. “Se um país quiser ser soberano, deve investir no controle sobre a moeda e a produção energética”, afirma.
O especialista acredita que foi um erro estratégico deixar a produção do etanol – um combustível estratégico, por não depender de petróleo e por ser menos poluente – nas mãos da iniciativa privada. Para ele, é fundamental que haja alguma regulação nessa área para garantir que a população tenha acesso aos produtos fundamentais para a sociedade.
“Nas mãos invisíveis do mercado, os empresários buscam lucro. Os usineiros podem fabricar etanol, açúcar ou cachaça, mas neste momento o que oferece maior lucro é a exportação de açúcar, reduzindo a produção de etanol”, diz Cararine. “Temos que criar condições para proteger as famílias brasileiras, que neste momento estão jogadas no cada um por si”