Subterrânea

Informais movimentam R$ 957 bi e geram renda em cadeia

Vendedores de balas no trânsito fazem a festa de atacarejos e têm até programa de fidelidade

Por Queila Ariadne
Publicado em 16 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
Às margens da formalidade. Enquanto não acha um emprego com carteira assinada, Leonardo Brito se vira nas ruas, vendendo balas Foto: Moisés Silva

O Brasil tem quase de 12 milhões de desempregados e outros 10,7 milhões que estão subempregados ou inativos, mesmo em idade produtiva. Uma taxa recorde de gente sem emprego. Sem vaga no mercado formal, um exército de pessoas vai procurar sustento nas ruas, vendendo o que podem ou aquilo que sabem fazer. São enquadradas na chamada economia subterrânea, abaixo da linha que divide quem recolhe e quem não recolhe impostos. Atualmente, tudo que essa informalidade movimenta responde por 16,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que dá R$ 957 bilhões de acordo com estudos do Ibre/Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de Ética Concorrencial (Etco).

Se por um lado a informalidade tira impostos da arrecadação pública, por outro continua movimentando o mercado formal. Com o crescimento do volume de vendedores tentando se virar nas ruas, o comércio e a indústria já estão até mesmo se adequando ao nicho em ascensão. Há dois meses, o grupo Decisão Atacarejo, por exemplo, criou um programa voltado para os baleiros, que, se no ano passado representavam 1% das vendas de balas, agora já são 5%. “Nossas vendas aumentaram muito, pois, como as contas continuam chegando, as pessoas sem emprego precisam de uma fonte de renda. Eles devem responder por 8% das vendas desse setor até o fim deste ano, e, no ano que vem, a meta é chegar a 15%”, afirma o gerente comercial Schester Carvalho.

Com dinheiro para comprar à vista, e praticamente todos os dias, eles são considerados clientes VIPs. “A ordem aqui é atendê-los sempre muito bem. Criamos um programa de fidelidade, no qual acumulam pontos que podem trocar por brindes ou descontos. Quando chega alguma novidade, entramos em contato via WhatsApp”.

Segundo o gerente, a indústria também já está atenta à representatividade desse público. “Os baleiros nos trazem sugestões interessantes, e repassamos para o fornecedor. Por exemplo, um deles me disse que seria bom se a caixa de drops viesse com sabores variados, para que ele não tivesse que comprar uma caixa de menta, uma de morango etc. Conversamos com a indústria, e ela fez”, explica. Pelos sinais de trânsito e ruas afora, a paçoca reina. “É a mais vendida porque tem uma margem de lucro grande. Tanto que nós passamos a comprar 30% a mais, nos últimos quatro meses”. Outro item muito procurado, que prova o quanto aumentou a demanda, é a pipoca. “Antes, fazíamos reposição das gôndolas uma vez por dia. Hoje, às vezes, chegamos a repor dez vezes”, diz.

Um pacote com cem paçoquinhas custa R$ 18,69. Cada uma sai por R$ 0,18. Nas ruas, os baleiros como Leonardo Martins Brito, 32, chegam a vender a unidade por R$ 0,50, quase o triplo. Ele perdeu o emprego com carteira assinada há um ano, quando a empresa de caminhões onde trabalhava fechou. Desde então, todo dia tenta achar uma vaga no mercado formal. Enquanto ela não vem, ele se vira como pode. Mora em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. Sai de casa às 8h e fica nas ruas até as 23h. “No começo eu tinha vergonha, mas é um trabalho. Estou batalhando”, diz. Ele calcula ganhar cerca de R$ 60 por dia, mas, a quantidade de ônibus que pega, isso ele já perdeu as contas. “Nem sei, mas tem dia que entro em mais de 20”, conta.

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Margem de lucro

Paçoquinha
No atacado: R$ 0,18
Nas ruas: cerca de R$ 0,50

Pipoca (40 g)
No atacado: R$ 0,39
Nas ruas: de R$ 0,50 a R$ 1

Drops
No atacado: R$ 0,38
Nas ruas: entre R$ 1 e R$ 2

Bala de eucalipto
No atacado: R$ 0,25
Nas ruas: R$ 0,50

Fonte: Baleiros e Atacado


Informalidade

Tendência é piorar mais em 2016

Quanto maior o desemprego, maior é a informalidade. A relação é diretamente proporcional. Portanto, segundo economistas, em 2016 o indicador da economia subterrânea tende a piorar. O índice mede toda a produção de bens e serviços que não é declarada ao governo e, portanto, não arrecada impostos. Em 2015, esse indicador subiu pela primeira vez em 12 anos, desde que a pesquisa começou a ser feita pelo Ibre/ Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).

“Hoje, esse índice responde por 16,2% do PIB. Ainda não temos os números deste ano, mas, diante das consequências da recessão e com o desemprego aumentando significativamente, tende a aumentar”, destaca o presidente do Etco, Edson Vismona. Segundo ele, o desafio é simplificar o sistema tributário.