Após registrar a pior baixa da história frente ao dólar - US$ 1,04 -, a libra esterlina apresentou sinais leves de recuperação e opera nos últimos dias em patamares em torno de US$ 1,16 a US$ 1,10 - ainda considerados baixos. Entretanto, no mercado, as análises sobre o futuro da moeda britânica são pessimistas sob forte impacto do plano fiscal adotado pela equipe econômica da recém-empossada 1º ministra Liz Truss. 

Na prática, as medidas anunciadas pelo ministro de Finanças, Kwasi Kwarteng, promovem um corte de impostos que chegam ao custo de 45 bilhões de libras - considerado o maior dos últimos 50 anos. Também houve aumento nos empréstimos e abolição da alíquota máxima de imposto de renda de 45% aplicada aos cidadãos que ganham mais de 150 mil libras, cerca de R$ 869 mil por ano.

A ofensiva do governo Truss tenta um controle da inflação acima de 10% pela primeira vez em 40 anos. Mas houve negativa do mercado rebaixando a libra ao menor patamar em relação ao dólar desde 1985, e o Banco da Inglaterra se dispôs, em 28 de setembro, a comprar 65 bilhões de libras em títulos do governo para salvar fundos de pensão. “Cortar impostos é a coisa certa a fazer, moral e economicamente. Por muito tempo o debate econômico foi sobre como repartir uma torta limitada. Em vez disso, temos que fazer a torta crescer para que todos possam receber um pedaço maior", disse a primeira-ministra ao defender o pacote fiscal. 

Nesta terça-feira (11), o órgão anunciou a prorrogação da compra de dívida pública em títulos estendendo o máximo de compras diárias para 10 bilhões. As compras devem se concentrar, principalmente, nos fundos derivativos de bônus do Tesouro britânico de longo prazo (LDI). Alguns deles corriam o risco de entrar em colapso, devido a uma queda repentina no valor dos títulos do Tesouro de longo prazo. As operações anunciadas, conforme o Banco, "servirão como uma rede de segurança adicional para restabelecer as condições ordenadas do mercado", explicou a instituição. 

Entretanto, para Antonio van Moorsel, sócio e chefe do Advisory da Acqua Vero Investimentos, o pacote apresentado para tentar socorrer a atividade econômica do país ao promover o corte tributário, é pouco eficaz e com dissonâncias entre as políticas fiscal e monetária. “O Banco Central da Inglaterra vem elevando a taxa de juros ao longo dos últimos encontros do comitê de política monetária inglês para desacelerar a economia e controlar propriamente a inflação. E a dissonância existe justamente no momento em que se tem uma política monetária contracionista, elevando a taxa de juros, com uma política fiscal expansionista cortando impostos”, detalhou. 

Moorsel explicou que ao reduzir a carga tributária, o governo promove uma injeção de recursos na economia em momento de limitações do mercado. Dentre os exemplos ele citou a ainda instável cadeia de suprimentos após os períodos de lockdown e impactos da pandemia ao consumo. “Ao passo que a política fiscal estimula a demanda e a oferta não acompanha esse crescimento, temos mais pressão inflacionária”, atestou o economista. 

As críticas não partem somente do mercado. O Fundo Monetário Internacional, que emprestou dinheiro para socorrer o Reino Unido em 1976, pediu ao governo britânico que reconsidere os cortes de impostos. Em um comunicado, o órgão disse que eles podem exacerbar a desigualdade e levariam a política fiscal e a política monetária a trabalhar com "propósitos conflitantes", ou seja: o governo vai se endividar, a inflação aumentar, e o Banco Central teria de aumentar juros para frear o descontrole. 

Descontrole cambial 

Frente ao descompasso causado com o pacote fiscal do governo britânico, a desvalorização sobre a libra deve se manter nos próximos meses. Antônio van Moorsel afirma que os baixos patamares da moeda britânica está diretamente relacionada ao endividamento do governo para financiar o pacote fiscal. Com a queda frente ao dólar, a expectativa é de que o Reino Unido comece a pagar, de certa forma, “mais caro” por produtos importados.

“Não é que está efetivamente pagando mais caro, mas recebe menos porque a moeda se tornou menos valorosa frente o comércio internacional”, atesta Moorsel. Além da desvalorização em valores, o economista afirma que há um impacto negativo nas relações comerciais. “Traz um receio de como o mundo passou a enxergar a economia britânica. Afinal de contas, uma moeda mais fraca acaba, naturalmente, por afetar as relações comerciais desacelerando as relações”, complementa. 

Para o chefe do Advisory da Acqua Vero, o melhor cenário econômico seria o governo abrir mão do pacote fiscal, o que Moorsel considera fora de cogitação. “Se ela de repente retornasse um passo atrás enfraqueceria a reputação política dela, então é muito difícil que volte atrás. Mas seria uma das melhores respostas possíveis, até porque se a gente olha a própria cotação da libra, antes do anúncio desse pacote fiscal, ainda estava em patamares bastante normais”, justificou o economista. 

Entre os principais problemas citados por ele no pacote fiscal, a falta de informações sobre a forma de financiamento das medidas que estão sendo implementadas é a principal preocupação, segundo Antônio. “Se o governo britânico conseguisse voltar atrás e de certa forma anular esse pacote, isso sem sombra de dúvidas aliviaria bastante a situação econômica lá”, arrematou.

(*Com AFP)