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Mais da metade dos brasileiros que estuda inglês faz aulas para subir de cargo

Pesquisa também revelou que 54% dos entrevistados sentiram que a educação formal não lhes proporcionou um bom nível de proficiência no idioma

Por Shirley Pacelli
Publicado em 29 de março de 2024 | 06:00
 
 
O professor de inglês Giovanni Mazochi (acima) e seu sócio Wilson discutindo o material das aulas de inglês da English Time Foto: Arquivo pessoal

Quando era adolescente, Thiago Gonçalves, hoje analista de suprimentos de uma multinacional, chegou a estudar inglês e morar nos Estados Unidos por seis meses para aprimorar o idioma. Com o tempo, ele foi perdendo a fluência e, por questões profissionais, há um ano e meio decidiu fazer aulas particulares. Thiago, que completa 40 anos em maio, é um dos muitos brasileiros 40+ que investem no aprendizado da língua para crescer na carreira.

Segundo uma pesquisa recente desenvolvida pela Pearson, escola de aprendizagem global, no Brasil, mais da metade (54%) dos entrevistados sentiram que a educação formal não lhes proporcionou um bom nível de proficiência em inglês. Para reduzir o tamanho dessa lacuna educacional, 60% dos brasileiros que estudam hoje o idioma querem ter acesso a posições com melhores salários. 

É o caso de grande parte dos alunos de Giovanni Mazochi, de 47 anos, que é professor de inglês há 19 e tem um curso voltado só para adultos. Segundo ele, profissionais com cargos em multinacionais e das mais variadas áreas, como médicos, advogados, engenheiros e pessoas de tecnologia, o procuram para alçar um cargo melhor. “Alunos da área acadêmica também têm procurado bastante; alguns buscam certificação para ir estudar fora”, explica. 

Ao menos 70% dos alunos de Giovanni estão na faixa etária dos 35 a 45 anos, como Thiago Gonçalves. Segundo o analista de suprimentos, na sua área de atuação o inglês é fundamental, já que ele faz reuniões frequentes com uma equipe de Luxemburgo e tem muito contato com fornecedores de todo o mundo. “Onde trabalho, é rigoroso o fato de ter inglês [..] Já vi pessoas com visão técnica boa serem eliminadas. É um ponto extremamente relevante num processo de contratação”, conta.

Inglês é fundamental para o trabalho de Thiago Gonçalves, analista de suprimentos de uma multinacional. Foto: Flavio Tavares/O Tempo.

Segundo dados da Person, mais de 52% dos brasileiros entrevistados usam inglês semanalmente, embora apenas 25% tenham dito que sentem que poderiam expressar-se plenamente ao utilizar a língua para realizar o seu trabalho.

Com uma rotina corrida, Thiago faz aulas online uma vez por semana, sempre focadas em conversação, exatamente para aprimorar a fluência. “Eu tenho muito volume de trabalho, muitas reuniões, tenho família…Meu maior desafio é o ânimo, mas tenho essa necessidade. E a aula é perfeita, câmera ligada o tempo todo… Flui bem”, destaca.  

Para Catarina Pontes, porta-voz do CNA, rede de idiomas com mais de 650 escolas em todo o país, é justamente a rotina a maior dificuldade enfrentada pelo público com 40 anos ou mais para se manter ativo num curso de inglês. Segundo ela, é importante buscar escolas que ofereçam uma solução que se encaixe no dia a dia. 

Na empresa, por exemplo, é oferecido o CNA Pro, um curso híbrido, que tem metade de suas aulas de forma assíncrona. “Isso, de certa forma, atende essa demanda do público que já tem diversos compromissos ao longo do dia”, explica Catarina. Durante as aulas, os professores trazem contextos da vida acadêmica, profissional e social para que os alunos consigam aprender a se comunicar nestas situações. 

Segundo Catarina, com base nos dados da CNA, não houve um aumento significativo da procura de alunos 40+ entre 2022 e 2023, mas a gestão percebeu uma maior procura de adultos pelos cursos de inglês, principalmente pensando na queda de barreiras no mercado de trabalho durante e pós-pandemia, além de novas oportunidades acadêmicas.

“Nós aprendemos durante a pandemia que é possível trabalharmos aqui do Brasil em empresas no exterior. Então, a necessidade de aprender o idioma continua crescente e com isso, alunos adultos têm nos procurado para poder adquirir a fluência no idioma”, explica. 

Catarina acrescenta ainda que, hoje, muitas empresas que atuavam somente no Brasil, passaram a atuar no mercado estrangeiro, fora as empresas multinacionais que chegaram ao país, oferecendo novas oportunidades de emprego. Ela lembra que em setores específicos, como o da indústria farmacêutica ou da área de tecnologia, há uma grande demanda por profissionais com fluência no idioma.

“Isso é extremamente importante para que os alunos consigam galgar cargos de maior responsabilidade, mas que também sejam mais lucrativos para eles. Existem pesquisas de sites de vagas de emprego que mostram que em alguns segmentos, em cargos, por exemplo, de gestão, o salário pode ser de 60% a 70% maior se a pessoa dominar o idioma”, diz. 

Estudo do inglês no Brasil

  • 60% dos entrevistados estudam inglês para ter acesso a posições com melhores salários
  • 46% acreditam que alguém que consegue se comunicar efetivamente em inglês pode ganhar até 50% mais do que alguém que não consegue
  • 45% estudam inglês para estarem mais bem preparados para encontrar uma nova oportunidade caso percam seus empregos por conta da inteligência artificial/inovação
  • 50% dizem que o inglês os ajudará a subir a escada para cargos mais seniores em sua área
  • Mais de 52% dos entrevistados usem inglês semanalmente
  • Apenas 25% dos entrevistados sentiram que poderiam expressar-se plenamente ao utilizar a língua para realizar o seu trabalho
  • 70% chegaram ao ponto de dizer que o seu trabalho seria mais fácil se soubessem melhor o inglês
  • 56% acreditam que não têm um nível de inglês suficientemente bom porque o aprendizado estava focado na gramática e no vocabulário, em vez de usar o inglês em situações do mundo real

Fonte: Pearson

O estudo da Pearson foi realizado com mais de 5 mil falantes de inglês como segunda língua ou língua adicional. A pesquisa foi conduzida pela PSB Insights no final de 2023 no Japão, Arábia Saudita, Brasil, Itália e EUA (Flórida). Os entrevistados tinham entre 18 e 64 anos, não eram fluentes em inglês, não o falavam como primeira língua e: estavam aprendendo inglês ativamente, usando inglês regularmente no trabalho, motivados profissionalmente para aprender inglês ou acreditavam que o inglês faria seu trabalho mais fácil ou melhorar as suas perspectivas de emprego.

 

A recém-aposentada Roseni Vieira, de 53 anos, em viagem aos parques da Universal, nos Estados Unidos. Foto: Arquivo pessoal

Para viajar sem acompanhante ‘tradutor’

Além de profissionais que buscam aperfeiçoar o inglês por necessidade dos negócios, há aqueles brasileiros mais maduros que querem falar fluentemente para se sentirem menos dependentes em viagens internacionais.

Este é o caso da recém aposentada Roseni Vieira, de 53 anos, que desde fevereiro deste ano, faz aulas duas vezes por semana. “Eu me matriculei assim que eu cheguei de uma viagem que eu fiz nos Estados Unidos de férias. Fiquei lá um mês com o meu filho e amigos que falam inglês e fiquei na aba deles… Eu queria ver se eu consigo me tornar autossuficiente para poder viajar sozinha”, conta. 

Segundo a STB, consultoria especializada em educação internacional, a demanda do mercado de intercâmbio deste ano deve vir de alguns públicos em específico, sendo o de 50+ um deles. A previsão é que o segmento feche o ano com avanço de 20%, após apresentar um crescimento de 25% no fechamento de 2023 sobre 2022 e alta de 30% em relação a 2019, período pré-pandêmico.

Na English BFF School, os alunos 40+ representam 6% da totalidade, sendo oito mulheres e dois homens. Segundo Luiza Deschamps, de 28 anos, uma das sócias e professoras à frente da escola, ao longo das mais de duas décadas como professora, este público sempre procurou pelas aulas, mas agora ela percebeu uma maior demanda pelo formato online, que passou a ter uma aceitação maior pós-pandemia. 

Segundo Luiza, para além de desenvolver a língua, assim como Roseni, muitas pessoas buscam as aulas em busca de mais liberdade.  “Uma das nossas perguntas de triagem quando alguém entra em contato conosco é ‘qual o seu principal objetivo com as aulas?’, e algumas pessoas desse público respondem sobre o desejo de viajarem sozinhas sem dependerem dos filhos ou de outra pessoa para traduzirem. O desejo pela independência”, explica. 

O levantamento da Pearson apontou que 67% dos brasileiros entrevistados falaram que um dos principais motivos para aprender inglês fora do trabalho é o desejo de viajar mais. Poder ver televisão, filmes e conteúdo online em inglês (58%) e poder ler o inglês que os rodeia (58%) são os outros motivos.

Segundo Luiza, é comum também que só na maturidade as pessoas enfim tenham estabilidade para investirem no desejo de aprender outra língua, já que antes precisavam investir nos filhos. “Então, eles se diferem tanto por virem de uma época que o inglês não era algo tão acessível assim, e pelos objetivos que buscam. Outra diferença plausível de ser citada é a dedicação e seriedade desse público com as aulas: são os alunos mais dedicados que temos!”, diz. 

A própria Roseni Vieira, que trabalhou como escrivã judicial por 33 anos, conta que os pais nunca tiveram condições de “bancar” um curso ou um intercâmbio para ela. “O meu inglês é só de escola mesmo, da época que eu estudei, no segundo grau”, diz.

Para ajudar na adaptação, cada aula da English BFF School é personalizada de acordo com o estilo de aprendizagem, necessidade e objetivo de cada um. Para o público 40+, é considerada a relação com a tecnologia, por exemplo. “Como são alunos que vieram de outro formato educacional, precisamos considerar essa bagagem. Temos opções de cadernos de atividades online e que podem ser impressos, por exemplo”, observa Luiza.