Terremoto governamental

Mercado vê cenário de total instabilidade e risco a Guedes após queda de Moro

Contexto é agravado pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus

Por Folhapress
Publicado em 24 de abril de 2020 | 15:04
 
 
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Evaristo Sá/AFP

A queda do agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro faz o mercado financeiro traçar, nesta sexta-feira (24), cenários de total instabilidade política e econômica. O contexto é agravado pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.

Analistas e economistas apontam desde o risco de que Paulo Guedes seja o próximo a cair até chances de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), decida abrir um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O retrato dessa incerteza é a alta do dólar, que superou os R$ 5,70. A Bolsa brasileira recua e chegou a flertar com um novo circuit breaker -mecanismo de proteção a investidores acionado quando o Ibovespa cai mais de 10%.

"O cenário é nebuloso, é complicado. Acho que a tendência é que isso se escale, é difícil encontrar alguma maneira de o Bolsonaro reverter esse quadro. Ele está sem apoio tanto político quanto popular e temos alguns pontos-chave, que é como vai ser a reação do Rodrigo Maia, que pode abrir um pedido de impeachment e isso pode acelerar", afirma Luis Sales, analista da Guide.

"A gente pode ter abertura de investigações com relação ao Bolsonaro", disse ele, em referência a afirmações feitas por Moro na entrevista em que anunciou sua demissão.

O ex-juiz da Lava Jato afirmou que Bolsonaro pretendia fazer uso político da Polícia Federal e queria acesso direto ao chefe do órgão. A retirada de Mauricio Valeixo do comando da PF foi o estopim para a queda de Moro.
Moro afirmou ainda que o presidente estava incomodado com investigações do STF (Supremo Tribunal Federal).

"É um cenário já de crise. Por conta da pandemia, (Bolsonaro) já vinha perdendo bastante apoio popular e também credibilidade mesmo no âmbito político", acrescentou Sales. "É uma crise que pode ser uma crise de saúde que se caminha para uma crise política e econômica por perda de credibilidade também", completou.

Cassiano Leme, presidente da Constância Investimentos, afirmou que a queda da Bolsa não reflete apenas a saída de Moro, mas os riscos que as afirmações feitas trazem ao país.

"O que faz preço na Bolsa não é propriamente o combate à corrupção (associado a Moro), mas talvez em um sentido de mais longo prazo da instabilidade geral do país", afirmou.

Ele pontuou que será difícil prever o próximo movimento do governo. Consenso entre analistas é que a permanência de Guedes, o fiador econômico de Bolsonaro desde a campanha eleitoral, está sob questionamento.

"Poderá haver outra instabilidade nos outros ministros, importantes para a própria caminhada econômica", disse Leme. "O desafio do presidente de rearticular e criar uma nova base política se renova. É algo que vem desde a saída (do presidente) do PSL. Justiça e Economia eram os baluartes do governo. Essa saída levanta rumores sobre a saída de Guedes e isso é muito negativo", afirma Ilan Arbetman, analista da corretora Ativa.

A leitura de André Perfeito, economista-chefe da Necton, é que a queda de Moro facilita a aproximação de Bolsonaro com o centrão. Nas últimas semanas, o presidente vinha articulando uma coalizão para tentar isolar Rodrigo Maia.

Isso colocaria sob risco a agenda econômica, ainda mais em um cenário já complicado pelos efeitos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus.

"Guedes não está disposto a fazer isso porque ele é um cara coerente. O problema é que o que o presidente vai exigir dele é muito mais do que talvez ele esteja disposto porque ele acredita que existem questões fiscais de longo prazo que ele precisa controlar", afirmou. "A pressão política que culminou (na demissão de) Valeixo e Moro são as mesmas que vão para cima do ministro Paulo Guedes."

Sales, da Guide, tem avaliação semelhante. "Fica também a dúvida com relação ao Paulo Guedes, porque a principal causa dele são as reformas. Não temos nenhum tipo de ambiente para isso e o que sobra são estímulos fiscais, que é contra a política e visão do ministro e também contribuiu para uma deterioração das contas públicas", completa.