Há cinco anos, uma médica, que pediu para não ser identificada na reportagem, precisou passar por uma operação para retirar a vesícula. No fim do atendimento pré-operatório, o cirurgião disse que, apesar de o procedimento ser coberto pelo plano de saúde, ela precisaria pagar uma taxa de R$ 800 para arcar com “gastos extras” no procedimento.
Na época, ela ainda era estudante de medicina e não atuava, mas, anos depois, descobriu que a prática era irregular. “Me senti traída, fui praticamente roubada por uma pessoa que teve a minha vida nas mãos dela”, desabafa.
Situações como essa geraram 23 reclamações no Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entre janeiro e setembro deste ano. Esse número é praticamente um terço (31%) das 74 queixas relacionadas a planos de saúde que o órgão recebeu no período.
Em 2018, foram 30 ocorrências do tipo e, em 2017, 46.
Mas, nem toda cobrança extra é irregular e, muitas vezes, o consumidor não sabe identificar se há ou não um problema durante o atendimento médico.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) explica que todas as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) estão em seu rol de cobertura obrigatória e não podem gerar taxas extras. Além disso, atendimentos previstos em contrato pelas operadoras de saúde não devem ser cobrados à parte por profissionais.
O código de ética da medicina também elenca 15 artigos que regulam a atuação da categoria em relação à remuneração, e veta a “dupla cobrança por ato médico”.
Um exemplo de taxa extra permitida é a de disponibilidade obstétrica, cobrada por ginecologistas que fizeram o pré-natal de uma grávida para acompanhá-la durante a gestação.
Um parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicado em 2012, determinou que a assistência de parto é considerada atendimento de emergência, o que permite que o procedimento seja feito por um médico plantonista.
Por isso, o profissional que realiza o acompanhamento prévio da paciente pode cobrar para fazer o atendimento, inclusive se o plano de saúde cobrir todos os gastos com o procedimento, desde que a gestante seja informada na primeira consulta.
Mesmo com a permissão, a taxa nem sempre é aplicada. A relações públicas Bárbara Mazoni, que teve seu primeiro filho no ano passado, explica que a médica que fez seu parto a acompanhou durante todo o pré-natal e não cobrou nada além da mensalidade do plano de saúde.
Apesar disso, ela considera a cobrança justa. “Não vejo problema, desde que seja informada. Entendo que o médico estudou por muito tempo e que a realização de partos pode atrapalhar a agenda dele”, diz Mazoni.
Judicialização
O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, revela um estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em março deste ano.
Além disso, entre 2009 e 2016, os gastos anuais com demandas dessa natureza na Justiça subiu 13 vezes e alcançou R$ 1,6 bilhão naquele ano.
Só na esfera privada, 50 milhões de beneficiários de planos de saúde foram afetados pela judicialização no período.
“A principal tarefa do médico é ser transparente e seguir as determinações dos conselhos de classe”, afirma a presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Cláudia Navarro.
“O paciente tem que ser orientado sobre tudo e deve consentir com todos procedimentos, cobranças e honorários”, explica. Ela ressalta que profissionais da saúde que não obedecerem os preceitos éticos da classe podem ser punidos.
“O papel do conselho é lutar pela prática de uma medicina digna e pela autonomia do paciente”, diz Cláudia.