Enfrentar a perda com solidariedade e retirar da experiência um meio para a superação. É isso que um grupo de 15 mulheres e dois homens, moradores de Brumadinho, com o apoio do Instituto NaAção, está mostrando ser possível. Após 45 dias preparando e distribuindo de graça até 600 refeições por dia na cozinha da igreja São Judas Tadeu, no bairro Parque da Cachoeira, o grupo quer transformar o espaço em uma cozinha-escola para gerar renda. “Nada melhor do que esse projeto, porque vamos ajudar pessoas e movimentar a igreja e o bairro, para a vida voltar ao normal”, diz a professora Sandra Maria da Costa, 59, que teve sua casa invadida pelo rejeito da barragem e perdeu 30% da propriedade. Sandra estava entre as cozinheiras da igreja que abasteceu, após o rompimento da barragem, bombeiros, voluntários, desabrigados e pessoas que buscavam alimentação no local.

“Eu amo cozinhar e vejo que a cozinha-escola pode ser uma alternativa de sustento para mim”, afirma a produtora rural Soraia Campos Nunes, 40, que também participou do mutirão na igreja. A terra onde ela plantava foi engolida pela lama. Ela conta que, em alguns pontos, a altura do rejeito é de 15 metros. “É muito triste, mas aqui a agricultura acabou, não temos terra nem água”, diz Soraia. Ela trabalhava como “meeira”, não era dona da terra. Com parte da produção, pagava pelo uso do solo. “Minha família trabalhava nessa terra: eu, meu marido e três filhos. A gente tirava até R$ 25 mil por mês”, conta. A propriedade tinha 15 hectares, e mais 16 famílias trabalhavam nela.

“Após a ajuda emergencial, nosso objetivo é criar lideranças e ajudá-las a encontrar soluções sustentáveis. Queremos que o projeto da cozinha-escola seja abraçado e levado pela comunidade, revelando o lado empreendedor de cada um”, afirma a presidente do NaAção, Carolina Antunes. Ela está apoiando a formatação do projeto. “Precisamos de toda ajuda possível para criar uma cozinha industrial. Gostaríamos de auxílio da Vale para isso e de profissionais para cursos e desenvolvimento de produtos”, conta Carolina.

 

Instituto oferece psicólogo a jovens

Fazer da indignação uma força para ações concretas que vão do acolhimento até o impacto financeiro na comunidade. Essa tem sido a receita do Instituto NaAção em Brumadinho, após o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, da Vale. “Chegamos um dia depois do rompimento com uma equipe de 30 psicólogos voluntários. Hoje, estamos todos os dias com pelo menos 15 voluntários, entre recreadores, psicólogos, arquitetos, advogados e administradores”, conta a presidente do NaAção, Carolina Antunes. “A sociedade civil pode fazer muita coisa. Não adianta sofrer em casa, as pessoas podem sair e ajudar”, diz.

Nesses dois meses, o instituto já atendeu, entre outras pessoas, cerca de 50 crianças e jovens. “Eu desabafo com o psicólogo Daniel, brinco com as crianças, fico entretido. (Antes) eu ia dormir apavorado por causa da sirene”, diz o adolescente Paulo, 17, na casa do instituto na cidade. O jovem sente falta do rio. “A gente pescava, nadava, conhecia pessoas. Tinha uma neblina do rio que não existe mais, agora a gente acorda sem ela, com o sol na cara”, conta.

Todo o trabalho do NaAção é voluntário. A mineradora Vale oferecia transporte aos envolvidos, mas cortou o auxílio. “Temos carnês, rifas, empresas podem ajudar. Basta pesquisar no nosso site e redes sociais”, explica Carolina.

História da igreja

Origem

A igreja de São Judas Tadeu, em Parque da Cachoeira, foi construída pelo esforço de mulheres. Segundo a professora Sandra da Costa, moradora do bairro, o terreno foi doado entre 1994 e 1995 e cerca de dez famílias se uniram para arrecadar fundos para a construção.

Cozinha

“Antes da igreja, construímos a cozinha. Lá, a gente fazia caldos, feijão tropeiro, cachorro quente, quentão, vendia em quermesses, armava barraquinhas no terreno e fazia festa para arrecadar fundos. Com esse dinheiro dos caldinhos, construímos a igreja”, relata Sandra.

Trabalho

A igreja foi inaugurada no início dos anos 2000. A cozinha seguiu funcionando e virou um ponto de apoio após o rompimento da barragem, em janeiro de 2019.