Uma casa erguida ao longo de mais de uma década, a partir de 1910, e que abrigou o médico Eduardo Borges da Costa (1880-1950), um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UFMG, segue como uma das poucas construções remanescentes da arquitetura do início do século XX em Belo Horizonte. Localizada na rua da Bahia, a edificação, comumente chamada de “palacete” em razão de sua amplitude e dos elementos nobres – como uma escada inteiriça de madeira, grandes vitrais e teto de gesso rebuscado –, talvez só tenha sobrevivido à especulação imobiliária porque na década de 1980 ali se fixou a sede da Academia Mineira de Letras (AML), hoje com 110 anos.
Com mais de um século, a Academia Mineira de Letras já existia, portanto, antes de ter uma sede própria, e que se mantém como uma espécie de “lar”, em que os ritos são atualizados e novos valores têm sido construídos. De lá para cá, a preservação desse espaço e de parte da história da urbanização de Belo Horizonte vem se misturando com a trajetória de escritores e de outros profissionais que, de algum modo, dedicam-se às letras e encontram no local, com suas 40 disputadas cadeiras, uma via de pertencimento.
“É como se a Academia materializasse certo carisma. Eu acho que é mesmo algo intangível, mas o que quer se comunicar é a possibilidade de as pessoas encontrarem aqui um local comprometido com alguns valores, aspirações e desejos”, acrescenta o jornalista Rogério Faria Tavares, presidente da AML, que é um dos mais recentes membros, tendo sido empossado em 2016. Ao lado dele estão Rui Mourão, Olavo Romano e Luís Giffoni, no espaço onde os acadêmicos reúnem-se mensalmente para discutir temas ligados à literatura e depois seguir para um lanche tradicional, conhecido como a cerimônia do chá.
Romano, inclusive, é lembrado por Tavares como precursor da fase atual que tem caracterizado a Academia por meio de uma abertura maior à cidade. Recentemente, por exemplo, uma grande mostra sobre a vida do dramaturgo e diretor João das Neves (1935- 2018) ocupou o ambiente e integrou os cerca de cem eventos já realizados em 2019 no prédio anexo ao palacete. Outros projetos estão em andamento, e um deles é a maior conexão do acervo, com mais de 35 mil itens, ao de outras bibliotecas de Minas Gerais.
“Isso é algo que começou com Olavo, e nós estamos dando continuidade. Nossa ideia é avançarmos na elaboração de um inventário mais completo com a catalogação de todo esse conteúdo. Nós estamos planejando deixar isso à disposição dos pesquisadores, como já tivemos outros que estiveram aqui para a produção de suas dissertações e teses. Nossa meta é abrirmos o que temos ainda mais para o público”, afirma Tavares.
Olavo Romano pontua que a AML só tem a ganhar com a melhor difusão de seu acervo e a maior circulação das pessoas no seu ambiente. “Eu noto que ela tem o potencial de tocar as pessoas de modo que, às vezes, nem imaginamos. Nós já recebemos visitas de crianças, e é interessante termos em mente que isso pode ser algo importante para a vida delas, ser uma experiência que possa permanecer como uma semente, capaz de estimular o engajamento com a literatura e com a cultura”, sublinha ele.
A AML também conquista aos poucos. Tanto Giffoni quanto Mourão revelam que tinham resistência à entrada para a Academia e foram cedendo paulatinamente, sobretudo por meio do contato de outros membros e amigos. “Sempre fui muito antiacadêmico. Minha geração tinha disso. Eu entrei aqui meio que trazido pelo (escritor) Murilo Badaró (1931-2010). Mas hoje eu penso de outra forma. Vendo aqui essa seleção de poetas (organizada por Jacyntho Lins Brandão), eu percebo quantos poetas passaram por aqui e foram membros da Academia, deixando um legado importante”, afirma Mourão.
Giffoni também revela que chegou a declinar alguns convites antes de aderir ao grupo. “Depois, eu percebi que havia um convívio fraterno entre pessoas interessantes, que gostam de literatura, com objetivos parecidos, com vontade de defender a cultura, a leitura. Então, resolvi me candidatar e não me arrependi”, relata o escritor.