“Gente, eu estou simplesmente vi-ci-a-da neste livro”. É assim que a produtora de conteúdo Maju Alves começa um dos muitos vídeos de seu TikTok que falam sobre literatura. Com mais de 33 mil seguidores, Maju é um dos inúmeros exemplos de pessoas que têm ido à plataforma para falar de suas jornadas literárias. O fenômeno, que vem crescendo ao redor do mundo, já ganhou até nome: o BookTok.  

Para se ter uma ideia da força da literatura dentro do TikTok, uma pesquisa, feita no Reino Unido pela Publishers Association (PA) e publicada no final de 2022, revelou que mais da metade dos jovens é influenciada pela plataforma na hora de escolherem suas próximas leituras. O estudo demonstrou, ainda, que a rede também foi responsável por ajudar o público a descobrir a paixão pela leitura.  

No Brasil, o BookTok não fica para trás. Em uma simples pesquisa pela hashtag “#booktokbrasil” na plataforma, é possível encontrar uma infinidade de conteúdos que somam 11,9 bilhões de visualizações. A influência dos booktokers (como são chamados os criadores de conteúdo literário no TikTok) é tanta que a lista de livros mais vendidos do país é recheada de obras que são altamente indicadas na plataforma como “É Assim que Acaba”, da norte-americana Colleen Hoover, “Amor e Gelato”, de Jenna Evans Welch, e “Torto Arado”, livro de Itamar Vieira Junior vencedor dos prêmios Jabuti e Oceanos, em 2020. 

Mas por que eles influenciam tanto? 

Segundo Maju Alves, que também é especialista na relação entre literatura e as redes sociais e atua no mercado editorial, o próprio formato e as características do TikTok contribuem para que o conteúdo se torne atrativo. “A plataforma tem um algoritmo que favorece muito a entrega para quem não é seu seguidor, e isso permite que o conteúdo chegue para muitas outras pessoas”, pontua. Ela destaca ainda que é comum que os usuários busquem a plataforma em busca de indicações, o que não é diferente com a literatura. “Os conteúdos são rápidos, são indicações de alguém que, na maior parte das vezes, você está vendo. Então, de alguma forma, você também se relaciona com a pessoa”, ressalta.  

As produções menos ensaiadas, como os reacts (vídeos em que os usuários registram as reações aos acontecimentos dos livros), também corroboram para que esses vídeos chamem a atenção. “Não é algo ditado que a pessoa resolveu mostrar de forma perfeita. Ela grava ali na hora, é por isso que muitos livros que têm um plot twist muito grande ou que são muito emocionantes, com vários vídeos de pessoas chorando, acabam bombando”, explica.  

Para Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record – selo por trás de sucessos como “É Assim que Acaba” –, há também um caráter mais democrático no conteúdo produzido no TikTok. “Para se tornar um influenciador literário no YouTube, você tinha que ter um cenário, editar o vídeo, iluminação adequada. Ficava uma coisa muito artificial. O TikTok, por outro lado, é muito verdadeiro. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode mostrar a reação dela lendo, pode falar com muita paixão sobre um título que fez com que ela se apaixonasse. Acho que isso traz mais credibilidade.

Acho que isso traz ainda mais credibilidade. Essa é a grande chave por trás do sucesso que a plataforma está proporcionando para a literatura, que é o boca a boca”, observa. 

Segundo Rafaella, é nesse boca a boca, inclusive, que se constrói a melhor estratégia de divulgação para um livro. “Acho que nada faz você querer ler tanto um livro quanto a opinião de outro leitor. Podemos fazer uma supercampanha de marketing, mas nada vai engajar mais um jovem que ver outro jovem falando sobre como aquele livro é incrível”, afirma.  

Com mais de 426,5 mil seguidores no TikTok, Tiago Valente reforça o coro, apontando que a plataforma é responsável por estourar a bolha de criação de conteúdo, justamente por facilitar o processo de criação. “Isso trouxe o debate da literatura para um lugar muito mais direto, sincero e sem qualquer tipo de hierarquia intelectual entre o produtor do conteúdo e o público que consome esses vídeos. No TikTok, percebo uma interação muito maior com o pessoal que me acompanha, que parece se sentir mais confortável para contar suas impressões daquela leitura, seja através dos comentários, seja respondendo meus vídeos com outros vídeos”, conta. 

Além de modificar a própria relação entre o produtor de conteúdo e o público, tornando-a mais próxima e confortável, Valente também vê o Booktok como um aliado na desmistificação da leitura e do debate sobre literatura: “Ele também ajudou a mostrar que ler um livro pode ser uma atividade tão prazerosa e enriquecedora quanto assistir a um filme ou uma série”.  

Impactos do BookTok no mercado literário 

Presente no TikTok e mantendo parcerias com criadores de conteúdo dentro da plataforma, a Galera Record viu as vendas de livros crescerem exponencialmente desde que o BookTok ganhou força no país. Conforme Rafaella Machado, as vendas de livros do selo cresceram 167% desde 2020, quando o fenômeno passou a ganhar força.  

Mas o crescimento nas vendas não é a única mudança provocada pela influência do TikTok. Segundo a editora executiva, a própria relação com os leitores e livros também foi transformada. “A nossa forma de planejar lançamentos também mudou, porque a gente passa a saber de forma bem assertiva onde estamos acertando, onde podemos melhorar e o que os leitores estão ansiosos para ler. Antes, essa era uma coisa difícil de medir, porque a gente precisava esperar para saber se o livro ia vender e, se ele não vendesse, ficávamos tentando entender o que tinha acontecido, se era a capa, o timing”, explica.  

Para ela, com a força da opinião dos leitores nas redes sociais – principalmente no TikTok –, o papel das editoras também muda. “Tem livros que compramos os direitos e trouxemos para o Brasil a pedido dos fãs no TikTok. Antigamente, se você pensar, o papel de uma editora era ser um filtro, fazíamos uma seleção do que a gente ia lançar. Acho que hoje em dia esse papel mudou por conta das redes sociais e passamos a ser uma ponte, nos aproximamos do leitor, aproximamos eles das histórias e dos autores”, conta.  

Embora a literatura ganhe destaque e se firme, principalmente entre os jovens no TikTok, há outro lado a ser considerado neste fenômeno: a concentração de muitos leitores em poucos títulos. “Em outros momentos desse mercado, quando as pessoas compravam mais na livraria física, elas tinham mais chances de conhecerem outros títulos. Agora, o livro viraliza no TikTok, aí todo mundo lê e fica difícil descobrir a existência de outros livros. Então, estamos sempre procurando novos caminhos e formas diferentes de falar sobre livros que, por acaso, não estão viralizando, mas que também são incríveis”, diz. 

Ela pondera dizendo que, apesar disso, vê com bons olhos o BookTok. “Ela faz com que o hábito da leitura se solidifique para uma geração e, uma vez que a pessoa adquire o hábito da leitura, ela passa a ler também outras coisas, tendo a chance de ler outros livros também”, conclui.