CINEMA

Filme registra avanços científicos no estudo da maconha para fins terapêuticos

Dirigido por Beto Brant, 'A Planta' traz depoimentos de pessoas que usaram a cannabis sativa como alternativa para diversos tipos de doenças

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 28 de outubro de 2023 | 07:00
 
 
Pacientes com problemas neurológicos tiveram redução de crises com o uso do óleo de maconha Foto: Reprodução

SÃO PAULO - . Beto Brant tem o seu nome ligado a dramas intensos, como “Matadores”, “Ação entre Amigos” e “O Invasor”, muitos deles premiados. Depois de lançar um documentário sobre o ator Antonio Pitanga, em 2016, o cineasta paulista sumiu do radar. Ele retorna agora com “A Planta”, uma produção de baixo orçamento, mas que chama a atenção pelo tema polêmico: o uso da Cannabis sativa (popularmente conhecida como maconha) para fins medicinais. 

Esse retorno – na verdade, Brant se voltou para o que ele chama de “filmes de militância” – coincide com outro momento de sua trajetória: o de agricultor. Dono de uma plantação de uva, esse novo passo foi determinante para escolher o recorte do documentário, exibido na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. “O que me interessa atualmente é a planta. Não queria falar sobre legislação, porque ela está em mutação. Já já ela terá outra cara”. 

Desde o primeiro momento, quando foi convidado pela produtora Yael Steiner, Brant queria mostrar “a história das pessoas, de como a planta entrou na vida delas e lhes deu qualidade de vida”. Durante uma sessão acompanhada por especialistas na questão, o cineasta fez questão de frisar que fez um filme científico. “Fui falar com quem está estudando, (saber) qual é o status da pesquisa hoje no Brasil, indo a universidades em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e São Paulo”. 

Um desses entrevistados é Fabrício Moreira, ligado ao Departamento de Farmacologia da UFMG. A participação do professor e pesquisador é importante para entender a evolução no estudo da aplicação do canabinoides como potenciais remédios para diversas doenças, especialmente as relacionadas ao cérebro. O filme, por sinal, mostra várias pessoas com Alzheimer ou variações de epilepsia que tiveram crises e problemas radicalmente reduzidos. 

“O fato de que o cérebro produz substâncias (endocanabinoides) análogas às da Cannabis (fitocanabinoides) nos ajuda a explicar como as substâncias da planta exercem efeitos no organismo. Descrevendo de maneira simplificada, os fitocanabinoides podem agir no cérebro facilitando as ações dos endocanabinoides. Porém é importante destacar que estes efeitos podem ser deletérios ou benéficos, dependendo da circunstância do uso”, salienta Moreira. 

“O consumo exacerbado de Cannabis pode estar associado ao desenvolvimento de determinados transtornos psiquiátricos, sobretudo devido ao THC, principal substância da planta. Já o canabidiol, se utilizado isoladamente ou mesmo em preparações farmacêuticas contendo pequeno percentual de THC, pode ser útil no tratamento de determinadas síndromes epilépticas refratárias, por exemplo”, explica o pesquisador, que vem se dedicando ao tema há cerca de 20 anos. 

O filme de Beto Brant busca focar exatamente o canabidiol, visto por uma das entrevistadas como “um salvador de vidas” e “membro da família”. Ela é evangélica e, para amenizar o sofrimento de dois filhos, entrou numa igreja católica para pedir ajuda ao padre Ticão, falecido há dois anos. À frente da Paróquia São Francisco, no subúrbio de São Paulo, o padre passou a ministrar cursos para quebrar o preconceito em torno da planta, formando uma grande rede de apoio. 

“Há evidência de sua eficácia em alguns tipos de síndromes epilépticas, por exemplo, mas ainda precisamos de mais estudos sobre sua eficácia em outras síndromes e transtornos neurológicos e psiquiátricos. Além disso, a forma pela qual ele age no cérebro ainda está sendo esclarecida, bem como as doses mais adequadas para cada pessoa. De qualquer forma, o progresso tem sido significativo nos últimos anos”, registra o professor da universidade mineira. 

Moreira lembra que, desde 2015, o canabidiol é uma substância regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pode ser prescrito e adquirido de diferentes fontes. Como para qualquer medicamento, é de extrema importância que haja cuidado no controle de qualidade dos produtos contendo canabidiol”, alerta. “A Planta” acompanha o trabalho de três associações autorizadas a cultivar a Cannabis sativa para fins terapêuticos. 

“Eu fui atrás desse conhecimento, intercalando entrevistas e vivências. E me surpreendi. Lá no Uruguai, onde fiz outro documentário (‘La Planta’), há uma cena já muito forte, desde que (o uso) foi liberado pelo então presidente (Pepe) Mujica para desnutrir o tráfico, tirando o capital deles, mas a universidade não seguiu isso para realizar pesquisas. Apesar de a regulamentação ser muito mais atrasada, no Brasil há um interesse do corpo científico”, compara Brant. 

O cineasta conta que no país há uma mobilização, unindo academia e população civil. “As pessoas estão se reunindo, formando associações, fazendo cursos, com advogados militando para se criar os habeas corpus. A cena aqui é muito mais pulsante do que eu imaginava”, registra. Esse progresso na discussão do tema não impediu que Brant enfrentasse dificuldades para financiar o filme. “Dei de cara com muita porta fechada. Só conseguimos finalizar depois de uma ‘vaquinha’”, lamenta. 

Após o lançamento de “A Planta”, Brant deverá voltar a colocar o chapéu de agricultor, mas não descarta o engajamento em novas produções cinematográficas. “Retomei a minha ligação com a agricultura, que era uma coisa de infância. Eu comecei uma faculdade de agronomia e depois larguei. Com a pandemia, passei a plantar coisas, principalmente (para) a minha alimentação, dentro de um conceito de vida. Mas sou geminiano e vou tocar as duas coisas”, promete. 

(*) O jornalista viajou a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo