O escritor Jacques Fux tem se adaptado como pode aos dias de isolamento. Suas corridas diárias se transformaram em exercícios feitos dentro de um apartamento e os jogos de squash vão ter de esperar o fim da pandemia. Professor universitário, ele agora dá aulas online, enquanto lida com a incerteza e a tensão dos dias de quarentena.
Tentando não se desesperar com as manchetes ruins que saltam dos noticiários, Fux está escrevendo um novo romance, sobre sua experiência de dois anos – 2012 a 2014 – na Universidade de Harvard, onde foi pesquisador visitante. A escrita nesse período tem sido mais difícil, ele diz, mas o processo o ajuda a se desligar um pouco do que está acontecendo: “É muito pior. Sei que a angústia é importante para escrever, mas essa que sinto agora não é uma angústia da escrita, é outro tipo, é a preocupação com os pais, com a família, com o mundo. (Essa pandemia) Foi uma porrada na nossa cara”.
No início de maio, Jacques Fux lançou, em parceria com o crítico, cineasta e professor Universidade de Boston, Rodrigo Lopes de Barros, o livro “Ménage Literário”, que reúne um conto (“Ménage à trois”, de Fux), um ensaio teórico de Rodrigo sobre a obra literária do parceiro, e um curta baseado no conto, com direção do próprio Rodrigo. Esse é mais um projeto de uma premiada carreira de um matemático apaixonado por literatura.
Nesta edição do #fiqueemcasa, ele fala sobre cinco livros que o tocaram recentemente. “Em tempos de isolamento e de tantas saudades – e, apesar do desejo que tudo fique bem, há que se saber que coisas terríveis podem acontecer –, acredito que ler seja a única forma de encontrar uma certa leveza e voltar a viajar por momentos e tempos mais felizes”, diz o escritor.
Confira as dicas literárias de Jacques Fux:
> “Uma Noite, Markovitch” (Editora Todavia), de Ayelet Gundar-Goshen
O belo livro da escritora israelense Ayelet Gundar-Goshen se inicia na época do domínio inglês na Palestina e, por isso, o período da imigração ilegal dos judeus para a terra de sonho – muitos fugindo dos progroms, outros sentindo o cheiro das cinzas que logo virão, alguns buscando o devaneio bíblico de Canãa. Além da história e dos conflitos internos e externos, a narrativa é recheada de sabores, odores - sensações e sentidos que saltam aos olhos e evocam o poder da palavra. O leitor é transportado para um mundo onírico de perfumes doces e frutados, de lembranças carinhosas, saudosas e traumáticas. O livro é um exímio estudo/escola do manusear da linguagem que desperta/irrompe o poder da essência e das percepções humanas. A narrativa nos conduz com brilhantismo para muito além dos apenas cinco sentidos que inutilmente nos classificam.
> “As Pequenas Virtudes” (Companhia das Letras); de Natalia Ginzburg
Partindo de relatos delicados e cruéis – como é o caso do texto “Ele e eu” -, com apuro literário que só os grandes romancistas dominam e buscando uma memória remodelada pelo passado, Natalia Ginzburg fala de si para traçar um relato da universalidade humano e da história de guerras e lutas. Ginzburg nos conta, com uma delicadeza ímpar, da figura forte de seu conhecido pai, Giuseppe Levi, da prisão dos três irmãos durante o regime fascista, e da morte de seu primeiro marido, Leone Ginzburg, antifascista e intelectual.
> “Blues Do Fim Dos Tempos” (Editora Âyiné), de Ian McEwan
Em 2007, o renomado escritor Ian McEwan, proferiu uma aula/palestra “apocalíptica” na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Agora, em 2019, ironicamente no momento em que o mundo encara, de fato, a possibilidade do fim dos tempos, a Editora Âyiné nos presenteia com esse texto apócrifo e desconcertante. O termo blues já nos oferece uma ideia do que nos espera nessa pequena obra de arte: “Blue note é uma nota cantada ou tocada com um timbre ligeiramente mais baixo do que o da escala maior, o que faz com que a nota tenha um som distintivamente triste e melancólico; a própria palavra ‘blues’, em inglês, é sinônimo de melancolia. (...) As origens do blues também estão intimamente relacionadas com a música religiosa da comunidade afro-americana, os spirituals. (...) Blue também é a cor que sinestesicamente significa tristeza na cultura norte-americana, por isso surgiu o termo ‘let's sing our blues’”.
> “A Nova Idade Das Trevas” (Editora Todavia), de James Bridle
James Bridle, em seu fabuloso e aterrorizante livro A nova idade das trevas, nos mostra, com vários casos, históricas e teorias conspiratórias, os perigos da ignorância. Cada vez mais sabemos cada vez menos – um paradoxo interessante. A tecnologia está cada vez mais avançada, descobrindo e inventando ferramentas para descobrir novos planetas, extinguir doenças, criar músicas, livros, arte - porém estamos perdendo o controle e o próprio entendimento das máquinas que nós mesmos programamos. E é aí – segundo o autor – que há o retorno à idade das trevas, ao obscurantismo da razão.
> “Brochadas: Confissões Sexuais de um Jovem Escritor (Rocco), de Jacques Fux
Tomo a liberdade de sugerir um livro meu, divertido e extremamente sério. Ante ao desespero e a falta de perspectiva do mundo – e a ignorância de muitos líderes – proponho um mergulho na história da sexualidade e nossas falhas e faltas, para refletirmos sobre as brochadas da história de toda uma humanidade!