Cinema

Após 30 anos, 'O Homem que Matou Dom Quixote', chega ao cinema

Obra de Terry Gilliam traz uma mistura de realidade e ilusão com Jonathan Pryce e Adam Driver no elenco; filme foi concebido em 1989 e sofreu com mortes, falta de dinheiro e enchente até ficar pronto

Por Etienne Jacintho
Publicado em 06 de junho de 2019 | 03:00
 
 
Adam Driver e Jonathan Pryce em cena do filme "O Homem que Matou Dom Quixote", de Terry Gilliam Elite Filmes/Divulgação

Terry Gilliam dedicou uma parte de sua vida ao Monty Python e a outra, à produção de “O Homem que Matou Dom Quixote”, filme que estreia hoje nos cinemas, depois de 30 anos de sua concepção. Claro que, neste período, o animador, ator, roteirista e diretor realizou outros projetos, como os longas “Brazil: O Filme” (1985), “As Aventuras do Barão de Munchausen” (1988), “O Pescador de Ilusões” (1991), “Os 12 Macacos” (1995), “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998), “Os Irmãos Grimm” (2005), “O Mundo Imaginário do Dr. Parnauss” (2009) e, ainda, “Teorema Zero” (2013).

Todas essas obras refletem bastante o espírito de Terry Gilliam, que é o responsável pelas animações da trupe do Monty Python, principalmente na clássica série “Flying Circus” – disponível na Netflix. Nos seus trabalhos, sempre há elementos de fantasia, de sonho, de misturas interessantes entre o real e o surreal, entre o tradicional e o que extrapola os limites. Talvez por isso, ele tenha escolhido universos como os criados pelos Irmãos Grimm ou os recontados pelo Barão de Munchausen e por Doutor Parnassus. Com Gilliam, nenhuma história é linear, nenhuma trama é banal ou ordinária.

Assim, ele apresenta ao público uma versão nada convencional para a obra clássica de Miguel Cervantes. Na trama, Adam Driver, de “Infiltrados na Klan”, é Toby, um arrogante diretor de comerciais. O figurino estereotipado – e divertido – de Adam Driver é algo que não pode ser ignorado, pois integra a atmosfera que Gilliam cria logo no início da obra e que se alastra pelo filme. 

Conhecemos Toby em uma cena de comédia física e diálogos maravilhosamente divertidos. Os personagens são apresentados aos poucos, ainda nesta atmosfera cômica, até que Toby se depara com um DVD de um filme que fez na sua juventude, na tentativa de transpor a obra de Cervantes para o cinema. Toby visita seu passado e tenta se reinventar a partir deste choque.

O tom cômico do filme é interrompido para apresentar o sapateiro que acredita ser Dom Quixote. É preciso dizer aqui que Jonathan Pryce, de “A Esposa”, está impecável na pele do herói. Ele confunde Toby com Sancho Pança, e o público é guiado por essa ilusão. Com Pryce devidamente encaixado no filme, o filme ganha mais contornos de dramédia.

“O Homem que Matou Dom Quixote” em muitos momentos lembra o que foi feito pelo Monty Python. A piada às vezes fica lá, escancarada na tela, e, em outras vezes, exige um certo cinismo ou uma dose de nonsense também do espectador. Talvez o público acostumado ao universo do Monty Python, em filmes como “Em Busca do Cálice Sagrado”, embarque mais rapidamente na viagem de Gilliam. Não é o melhor filme do ano, mas tem ótimos momentos de Driver e, principalmente, de Pryce. 

Veja a linha do tempo com os momentos marcantes da produção ao longos dos 30 anos:

1989: Concepção do filme por Terry Gilliam
1991: Início do roteiro e da produção do filme.
1998: Começo da fase de pré-produção.
1999: Primeiro elenco, com Jean Rochefort, Johnny Depp e Vanessa Paradis (que não eram casados; hoje, têm filhos e estão separados)
2000: Início das filmagens, mas tudo dá errado. Além do barulho no set, por ser uma região de rota de aviões, uma tempestade destrói equipamentos e materiais. Rochefort fica doente e sai do projeto; os produtores também. O ator morre em 2017.
2002: Gilliam lança o documentário “Perdido em La Mancha”, sobre as dificuldades de se fazer um filme independente.
2009: Depp sai do projeto para filmar “Piratas do Caribe” e é substituído por Ewan McGregor. Robert Duvall entra no lugar de Rochefort. Mas não há dinheiro para filmar.
2014: O projeto é reativado, mas sem Duvall, que deixa a produção por causa de agenda. John Hurt assume o posto.
2015: A Amazon decide financiar o filme que perde outro ator. Hurt é diagnosticado com câncer no pâncreas. Ele morre em 2017.
2016: Com novo elenco que inclui Adam Driver e Jonathan Pryce, as filmagens recomeçam, com financiamento do português Paulo Branco. Agora vai, certo? Não. Branco desiste, e a produção atrasa.
2018: Branco entra na Justiça alegando ter os direitos do filme, mas perde a causa; o filme é apresentado em Cannes.