Documentário

Blues à mineira

“Blues Horizonte resgata história do gênero na capital mineira desde a década de 1970 e apresenta inédito festival com shows e exposição artística

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 08 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 
Bruno Marques, da nova geração blueseira, trouxe à capital músicos como Jimmy Burns e Lurrie Bell BRUNO MARQUES BAND / DIVULGAÇÃO

Lá pelos anos 70, enquanto a turma do Clube da Esquina firmava a famosa raiz harmônica no bairro Santa Tereza, alguns músicos da cidade queriam mesmo o improviso livre de uma guitarra gritando como cachorro louco no palco. “Precisávamos de uma coisa que só o blues podia nos dar. Aquele feeling, a raiva distorcida em beleza sem fim. Começamos fazendo cover dos grandes, depois fizemos do nosso jeito, bem mineiro”, diz o músico e percussionista Ney Fiúza, pioneiro do gênero na cidade e inventor do nada convencional “berimblues” – isso mesmo, um berimbau afinado especialmente para tocar blues.

Apesar de ter história, o blues belo-horizontino esteve muito tempo restrito a registros orais e da memória de seus próprios personagens. Esse foi o motivo para o diretor Paulo Ricardo Savino idealizar o documentário “Blues Horizonte”, a ser lançado nesta sexta (9), no Cine 104.

“Não parece, mas estamos na quarta geração de blueseiros, gente que veio depois do Affonsinho. Começou com Ney Fiúza e Alexandre Araújo, a formação da banda AeroBlues. Mas, rapidamente, o pessoal foi adaptando novos estilos, trazendo elementos regionais ao blues”, diz Paulo Savino.

Desde 2014, o diretor reúne entrevistas, cartazes, fotos antigas e quaisquer lembranças dos primeiros blueseiros da cidade. Ao todo, ele conseguiu depoimentos de 14 músicos de distintas gerações e histórias de lugares emblemáticos, como as casas Underground e Lobo Mau. “A cidade nunca abrigou tantos lugares para o blues, hoje você até tem A Autêntica mais presente, ainda que os locais só aumentem. Mas, além disso, muita coisa gravada em fita cassete tinha se perdido. A Rede Minas chegou a gravar um grande festival de blues no Mineiríssimo, em 1990, mas não foi possível converter as imagens. Então, fomos atrás das histórias contadas diretamente pelos músicos e reunimos o que deu de panfletos, registros de shows etc.”, diz Savino.

Ney Fiúza lembra que conheceu o blues pela capoeira, em meados de 1972, e resolveu unir as duas paixões. Músico que também domina a gaita de boca e as percussões, especialmente o berimbau, ele adaptou o instrumento conhecido na Bahia para o gênero de B.B. King. E, em 1988, levou o show “BerimBlues” aos Estados Unidos, junto com o guitarrista Alexandre Araújo.

“Os norte-americanos ficaram loucos porque eu desenvolvi uma escala em lá e outra em sol para o berimbau. Pintei nas cores dos EUA e do Brasil e vendi alguns instrumentos extras por US$ 100. Eu fazia até distorção com o berimbau, e eles não acreditavam”, diz Fiúza.

Assim como ele, Alexandre Araújo, considerado o primeiro guitarrista de blues de Minas Gerais, não estava satisfeito apenas com os solos blueseiros que a guitarra produzia. Por isso, o músico que conheceu B.B. King e ouviu dele que seria seu “braço direito do blues no Brasil”, levou o blues para o sitar – instrumento indiano popularizado pelo beatle George Harrison. “O Alexandre desenvolveu uma personalidade própria no sitar, nenhum músico do blues faz o que ele faz com o instrumento”, diz Savino.

Sangue novo. Hoje, o blues mineiro vive um “ótimo momento”, segundo o produtor e músico Bruno Marques, que também integra o documentário “Blues Horizonte”. Ele é um dos principais nomes da quarta geração de blueseiros mineiros. Desde 2014, Marques começou a fazer a ponte para a vinda de artistas internacionais até Belo Horizonte, promovendo encontros do blues em festivais como Divas do Blues, dedicado a cantoras do gênero, e Rota Blues, trazendo à cidade, em caráter inédito, músicos como Jimmy Burns, do Mississippi, e Maurice John Vaughn e Lurrie Bell, ambos de Chicago.

O ápice da empreitada foi o convite para que o guitarrista Mark Greenspon, também de Chicago, fizesse uma temporada de apresentações na cidade. “Era para ser uma semana de shows, mas ele ficou quatro meses em Belo Horizonte porque gostou tanto da cena, e dos músicos, que resolveu produzir o próximo disco aqui. Ele gravou comigo, Alexandre da Mata, Sandro Veríssimo, Auder Jr., Fred Jamaica e muitos outros. Foi um encontro entre gerações e deu um gás para a produção autoral da cidade. O Mark vai terminar o disco no México e volta para o lançar em BH, no ano que vem. Uma prova de como a cena vai bem”, diz Bruno Marques.

 

CentoeQuatro

Blues Horizonte Jam celebra o gênero com festival

FOTO: Paulo Ti/ Divulgação
Affonsinho é uma das atrações principais do evento, nesta sexta (9) à noite

Numa noite inteira dedicada ao blues, o festival Blues Horizonte Jam vai reunir alguns dos principais nomes do gênero na cidade, colocando no mesmo palco distintas gerações, em evento realizado no CentoeQuatro, nesta sexta (9) à noite. Antes da festa com guitarras no talo, o público poderá visitar gratuitamente a exposição “Crossroads”, trabalho do artista plástico Marcos Kaoy, montado no mesmo espaço, a partir das 19h.

“Ele une técnicas de pintura com material de sucata e, através de vários quadros, conta a história do blues, com seus personagens específicos, sua importância histórica e cultural”, avalia Paulo Savino, idealizador do festival.

Durante a visitação da exposição, o público poderá conferir uma performance do grupo de dança BeHoppers, especializado em “lindy hop”, vertente surgida entre as décadas de 20 e 30 em Nova York, unindo influências como breakaway, charleston, rock, jazz, sapateado etc.

“É uma maneira de mostrar que o blues sempre esteve associado à dança, em sua origem afroamericana. Isso se perdeu um pouco, mas, na cidade, temos grupos que pesquisam estilos antigos de dança, como o Be Hoppers, e mantêm a cultura viva, nos lembrando que alguns dos gêneros que mais gostamos, como o rock e o blues, são perfeitos para dançar”, completa Savino.

Show inédito. A primeira exibição do documentário “Blues Horizonte” está programada para acontecer às 21h, no Cine 104, com ingressos a preço único (R$ 24). Logo após o filme, 22 músicos de diferentes gerações vão se revezar no palco, em um show inédito na capital mineira. “Não sei se conseguimos reunir todo mundo de uma vez alguma vez, acho que essa será a primeira. Vamos precisar organizar os músicos, porque não cabe todo mundo ao mesmo tempo. Mas será um encontro histórico. Eles vão se revezar em pequenas bandas”, diz Savino.

Entre os instrumentistas convidados, marcam presença Affonsinho, Alexandre da Mata, Auder Jr., Luciana Mattos, Alexandre Araújo e Ney Fiúza.

Depois do show na capital mineira, a ideia é que o festival Blues Horizonte Jam percorra o interior de Minas Gerais. “No final de janeiro, vamos fazer em Pará de Minas, com uma banda reduzida. A ideia é variar os músicos de cidade pra cidade, espalhando o legado do blues de BH”, diz Savino.

 

Programação Blues Horizonte

O festival acontece no CentoeQuatro (praça Rui Barbosa, 104, centro, 3222-6457), com entrada gratuita, exceto para o cinema.

“Crossroads”, a partir das 19h. Exposição de Marcos Kaoy resgata toda a trajetória do blues.

BeHoppers, às 19h30. Intervenção de grupo de dança mineiro dedicado ao “lindy hop”.

“Blues Horizonte”, às 21h. Estreia do documentário sobre o blues mineiro, com ingressos a preço único, de R$ 24.

Shows, às 23h. Vinte e dois músicos subirão ao palco do CentoeQuatro para uma “jam session” de muito blues.