Teatro

Cadê o público da cidade?

Festival BH de Artes Cênicas debateu os caminhos para formação de plateia para espetáculos na capital mineira

Por Gustavo Rocha
Publicado em 22 de julho de 2018 | 03:00
 
 
Reduzidas. Uma das queixas é a dificuldade para se produzir temporadas extensas nos teatros de Belo Horizonte; uma das justificativas são os altos custos do aluguel e a concorrência de peças de fora Victor Schwaner/divulgação

Atrair, cativar e manter fiel seu público é um dos desafios mais complexos e permanentes para os produtores e artistas de teatro, desde sempre. Em um cenário adverso, em que a população não costuma acessar programações culturais, a tarefa de levar o público ao teatro torna-se ainda mais complicada. Com desejo de debater e avaliar o atual contexto do público da cidade, o Festival BH de Artes Cênicas, organizado pelo Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas (Sinparc-MG), promoveu, na última quarta-feira, o debate “Cadê o público que estava aqui?” 

Para a instituição, refletir sobre formação e atração de espectadores da cidade parece ser algo premente, já que a Campanha de Popularização do Teatro, nos dois últimos anos, viu seu público diminuir praticamente pela metade. Por outro lado, a primeira edição do festival parece ser uma resposta propositiva para estender as ações do Sinparc para outro período que não o da Campanha de Popularização. “É a prolongação da campanha. O principal objetivo é praticar a integração de Minas Gerais com os outros Estados do país e seus produtores. Temos força suficiente para que a produção da cidade circule pelo Brasil, pela qualidade dos espetáculos que temos em Belo Horizonte, tanto o teatro de pesquisa, a dança, o teatro infantil e o teatro comercial”, pontuou Rômulo Duque, presidente do Sinparc.

“Em um estudo recente, foi apontado que apenas 32% dos paulistanos já haviam ido ao teatro”, ressaltou Gabriel Fontes Paiva, mineiro radicado em São Paulo, que participou do debate representando a Associação dos Produtores Independentes de São Paulo (APIT). Mas engana-se quem pensa que a questão do público (ou a falta dele) concerne apenas a países que historicamente não desenvolveram o hábito de ir ao teatro. Como sinal dos tempos vividos hoje, as artes performáticas – teatro, dança, circo etc – sofrem com os reflexos de relações cada vez mais virtuais. “Em 2009, ocorreu o encontro da ISPA (Internacional Society for Performing Arts) em São Paulo, e tive contato com produtores e artistas de várias partes do mundo, discutindo também questões relativas à falta de público. Temos sempre essa impressão de que os países europeus e os EUA não convivem com isso, por estarem, talvez, em um nível mais avançado”, disse Paiva. As semelhanças, entretanto, param por aí, já que, segundo ele, existem políticas e programas de formação de público mais consolidados nesses países do que no Brasil. 

Abordagem. Para o ator Maurício Canguçu, presente no debate representando a Cangaral – empresa que toca junto a Ilvio Amaral, responsável pelo sucesso de público “Acredite, um Espírito Baixou em Mim” –, é preciso encontrar novas formas para falar com um novo público, mais jovem, que se conecta aos seus interesses por meio das redes sociais. “Precisamos de novas abordagens para chegar ao público dos youtubers, que lotam teatros e demonstram que existe, sim, público para o teatro”, ponderou Canguçu. 

A produtora Maria Siman, contudo, acredita que a proliferação de apresentações de youtubers em teatros é um mau indicativo para as produções teatrais. “Stand-up e youtubers não devem ocupar teatros, isso é atração de bares. Palco é lugar de artista”, exclamou ela, que representava, no debate da última quarta, o colegiado da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR).

“Todos têm que fazer sua parte – artistas, produtores, o poder público–, mas nós, que somos responsáveis por algo precioso, fundamental para o indivíduo, precisamos de uma ideia brilhante. Alguém tem uma ideia brilhante?”, provocou. 

Algumas experiências ocorridas em São Paulo servem, segundo Paiva, como ponto de partida para pensar em contextos maiores da formação de público. “Poderíamos trocar formação pela palavra aproximação. E isso se dá de duas maneiras: uma física, que seria levar o público às peças,ou vice-versa. Mas podemos pensar também que essa aproximação seja um processo de alfabetização. Isto é, uma forma do público ter contato com as linguagens teatrais, se acostumar com elas e possibilitar que a experiência do espectador tenha menos ruído”, assinalou Paiva, que tem o projeto “Formação do Olhar” em parceria com Maria Thaís, professora da Unicamp e diretora da Cia. Balagan.

Educação pode ser o caminho

Festival BH de Artes Cênicas debateu os caminhos para formação de plateia para espetáculos na capital mineira

Em um cenário em que a produção costuma se sobressair à reflexão, chegou a ser surpreendente ver o teatro Júlio Mackenzie cheio de pessoas dispostas a debater a formação de público, numa quarta-feira à noite. Sinal de que o assunto é caro a muita gente envolvida na produção do teatro na cidade. Alguns dos presentes registraram a necessidade de se vincular a formação do público à formação escolar. Isto é, que os espectadores de teatro tomassem contato com as linguagens teatrais desde cedo, para que se crie familiaridade. “O teatro nada é mais que literatura encenada. Se você não tem leitura na escola básica, você não vai ter ninguém para assistir teatro”, exclamou Márcio Machado, longevo diretor de teatro de Belo Horizonte. 

Carlutty Ferreira, presidente do Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais, lembrou o alemão Karl Valentim, que ainda no início do século XX propunha o “Teatro Obrigatório”, em um texto provocativo chamado “Por que os teatros estão vazios?”, que dizia que o teatro deveria ser visto 365 dias por ano. “Como o teatro pode ser levado para as escolas como mais um veículo de formação de plateia?”, indagou.

Para o dramaturgo Mauro Alvim, é preciso explorar a divulgação nos veículos de comunicação de massa, valendo-se da prerrogativa de que as emissoras de televisão são concessões públicas.

O debate deixou a sensação de que existem mais perguntas que respostas e que o teatro deve percorrer um longo caminho, com ações permanentes e a longo prazo, para formação de um público cada vez mais ligado às mídias sociais.