Homenagem

Círculo Hilda Hilst reúne atividades dedicadas a refletir sua obra

Na primeira edição do círculo, Guimarães, Cris e Janine chegaram a ir à Casa do Sol para conhecer Hilda e informá-la do evento que seria realizado em sua homenagem, de forma independente

Por Joyce Athiê
Publicado em 06 de dezembro de 2017 | 03:00
 
 
A obra de Hilda Hilst está sendo reeditada pela Companhia das Letras (“Da Poesia” saiu em abril; “Da Prosa” sai em 2018, bem como uma adaptação em quadrinhos, uma coletânea de poemas de amor) Instituto Hilda Hilst/divulgação

Por volta de 1999, Juarez Guimarães ganhava de presente um livro de Hilda Hilst (1930-2004). Tratava-se de “Ficções”, hoje uma edição raríssima, de 1977. A leitura teve o efeito de um divisor de águas na vida do professor, pesquisador e diretor teatral. Com Janine Avelar e Cris Gil, companheiras da extinta Cia. de Outros Atores, ele passou a procurar por outras publicações em livrarias e sebos.

“Poucas pessoas conheciam Hilda. Sua obra tinha uma circulação pequena. Começamos um trabalho de detetive. Estávamos impressionados com o fato de ela ser uma escritora ainda viva e cercada de mistérios, com uma escrita poderosa que estava marginalizada”, comenta.

Foi então que, além de detetives, o grupo assumiu o papel de fã e divulgador de Hilda. Criaram, há 15 anos, o Círculo Hilda Hilst, com o desejo de fazer circular a obra da escritora. Comemorando o début, o grupo retorna com uma programação extensa, desta quinta-feira (7) a sábado (9), em diversos espaços de Belo Horizonte.

Escritora. Considerada hoje uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX, Hilda teve sua escrita marcada pelo mistério, pelo desconhecimento e pela repercussão restrita, sendo que ela percorreu a poesia, a prosa e o teatro. O destaque maior veio com a “Trilogia Obscena”, já nos anos 90. “Ela surpreendeu e ganhou espaço na mídia como escritora erudita que, de repente, decide escrever sobre o erótico, ainda que o tom pornográfico e o escárnio da escrita de Hilda tragam uma reflexão profunda. Ela não é uma escritora fácil e popular. Exige dedicação e atenção na leitura. Sua prosa e o teatro são mais simbólicos, com forte carga poética e metafórica”, observa Guimarães, um dos curadores do círculo, evidenciando um conjunto de fatores que levaram a obra de Hilda a uma divulgação restrita, como questões com o mercado editorial e a própria construção de seu refúgio criativo, a Casa do Sol, situada em uma fazenda em Campinas.

“Ela não circulava, detestava ir a eventos literários. Ao mesmo tempo, a figura dela construiu uma mística que fazia a imagem dela circular com uma série de lendas. Diziam que ela vivia sozinha na Casa do Sol, o que não é verdade. A relação com o pai, que era louco, também chamava atenção. Mas os livros ficaram à margem”, pontua.

Na primeira edição do círculo, Guimarães, Cris e Janine chegaram a ir à Casa do Sol para conhecer Hilda e informá-la do evento que seria realizado em sua homenagem, de forma independente – assim como a edição 2017. Foram nove dias de programação em torno da obra de Hilda. Ao final, Juarez retornou à Casa do Sol, onde ficou hospedado com Hilda, que recebeu o clipping da iniciativa, com o destaque dado pela imprensa mineira. “Lembro de ela ver aquilo e falar que não sabia que era tão amada em Minas Gerais”, conta. Relembrando o acontecimento de 15 anos atrás, era hora de retomar o círculo e perceber o que mudou em relação à obra da escritora.

Programação. Com o cenário transformado após o falecimento de Hilda e com a publicação da obra reunida pela Editora Globo e também da poesia, pela Cia. das Letras, muitos trabalhos, artísticos e acadêmicos, dedicaram atenção à escritora, o que tornou possível compor a extensa programação do círculo, realizado de forma colaborativa. Entre exposições, mostra audiovisual, show, performances e outras intervenções, destaca-se a abertura do evento com a leitura de “O Unicórnio”, nesta quarta-feira (7), às 19h, no Memorial Minas Gerais Vale. Com dramaturgia de Guimarães e direção de Samira Ávila, o texto será lido por seis atrizes – Andréia Quaresma, Anita Mosca, Carolina Demétrio, Christiane Antuña, Dayse Belico e Rejane Faria.

“É um texto singular que ela escreveu a partir de uma situação biográfica que envolvia o rompimento duas amizades muito fortes. Ela ficou muito abalada e conseguiu voltar a escrever quando decidiu contar essa história por meio da ficção, da prosa narrativa. A metáfora que ela se coloca é de se sentir como um unicórnio, um ser solitário e sem pares, por perceber que sua escrita era singular e desconhecida”, comenta Guimarães que há quatro anos prepara um romance a partir de pesquisas sobre a Casa do Sol.

Para pensar e discutir sobre a obra de Hilda Hilst, o círculo traz o seminário “Fico Besta quando Me Entendem”, com apresentações de pesquisas sobre a escritora e mediação da professora Lucia Castello Branco, que será realizado na sexta-feira, às 10h30, também no memorial.

Outro destaque é “Tu Não Te Moves de Ti”, com roteiro e direção de Gabriel Castro Cavalcante, que será realizada na sexta-feira, às 16h, pela rua da Bahia, a partir de um imaginário encontro entre Hilda e Drummond. “Eles tiveram um afeto platônico, escreveram muitas cartas”, comenta o curador.

No mesmo dia, Luiz Rocha apresenta no Brasil 41, às 18h30, o show “O Poema É Música”, criado a partir de canções compostas com poemas de Hilda Hilst. No campo teatral, a atriz Glauce Guima, que participou da primeira edição do círculo, reapresenta o espetáculo “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, e o Varejão, iniciativa do Teatro 171, ganha uma edição especial Hilda Hilst, como um chamamento a artistas para apresentar trabalhos a partir da escritora.

A programação completa pode ser acompanhada pela página do Facebook A Casa da Senhora H.

Hilda na Flip

A escritora paulista é a homenageada da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorre de 25 a 29 de julho. A obra de Hilda Hilst está sendo reeditada pela Companhia das Letras (“Da Poesia” saiu em abril; “Da Prosa” sai em 2018, bem como uma adaptação em quadrinhos, uma coletânea de poemas de amor e uma edição de bolso). Dois livros de entrevistas devem sair pela Globo (que havia relançado a obra da poeta entre 2000 e 2014). Há conversas com algumas casas sobre a publicação de diários inéditos.

“A obra da Hilda exige do leitor um certo conhecimento de literatura e arte, ela convida ao entendimento mais complexo dessas duas coisas”, diz a curadora da Flip, Josélia Aguiar. Bem como Lima Barreto, homenageado em 2017, Hilda ainda não tem sua obra consolidada no cânone da literatura brasileira e em vida sempre teve um relacionamento complicado com o mercado editorial. Ela mesma reconhecia isso. Uma avaliação que Hilda fez da própria obra nos anos 90: “Maravilhosa. Fico besta de ver como as pessoas não entendem o que escrevi”. 

FOTO: Henrique Barrios/divulgação
Glauce Guima reapresenta o espetáculo “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, que compõe a “Trilogia Obscena”