Longa

Clausura leva à avaliação da vida

'Intimidade Entre Estranhos', de José Alvarenga Jr., expõe as cicatrizes emocionais de casal em crise

Por Etienne Jacintho
Publicado em 13 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
Amor? Milhem Cortáz e Rafaela Mandelli formam casal que tem de lidar com suas fraquezas Galeria Distribuidora/divulgação

Um prédio do Rio de janeiro serve de abrigo para duas pessoas que tentar lidar com suas cicatrizes emocionais no filme “Intimidade Entre Estranhos”, de José Alvarenga Jr., que estreia. Solitários, Maria (Rafaela Mandelli) e Horácio (Gabriel Contente) vivem enclausurados em seus apartamentos vazios, em meio a recordações tristes, vícios e fobias.

Maria volta ao Rio para dar apoio ao marido Pedro (Milhem Cortáz), um ator de “pegadinhas” que consegue um papel em uma minissérie. A cidade, no entanto, não lhe traz boas recordações. No passado, ela viu seu pai morto, enforcado, com a praia de Copacabana ao fundo.

Já Horácio, um jovem de 18 anos, convive desde cedo com a perda. O jovem pouco conheceu seus pais, e a avó, com quem morava no apartamento, morreu recentemente. O prédio em que vivem é da família de Horácio. Lá, ele se encerra como se a construção fosse um verdadeiro mausoléu. Até mesmo sua cama é um caixote, fechado, em que ele se protege do mundo – e também protege o mundo dele próprio.

“Acho que a solidão é um dos grandes temas contemporâneos”, fala Alvarenga. “Aparentemente, a partir do mundo digital, nós nos conectamos uns aos outros, mas perdemos o contato diário, o contato do olho, o contato em que o outro traz o contraditório, que nos faz olhar para nós mesmos”, diz o diretor.

Nesse aspecto, a tecnologia atrapalha tanto as relações humanas que as pessoas estão perdendo a habilidade de se aproximar do outro, apesar de desejarem esse contato e essa conexão. “Acho que ‘Intimidade’ é sobre esse exercício, essa tentativa de chegar ao outro”, explica o diretor. “No filme, esses três personagens de aproximam e se afastam uns dos outros conforme os seus desejos, as suas necessidades conscientes e inconscientes”, completa Alvarenga.

Simbolismos

O único que ousa sair do abrigo é Pedro. Nas poucas cenas externas do longa, ele vai ao estúdio gravar sua minissérie. Pedro ainda tem esse impulso de se conectar com as pessoas. E seu trabalho, de certa forma, é um meio de ele manter a esperança, de olhar para o futuro desconhecido e não para o passado que não foi superado. Por meio deste personagem, Alvarenga expõe a fragilidade de nossos sentimentos e mostra que a linha do nosso equilíbrio emocional é frágil e, sob pressão, pode estourar. “Pedro é o único que topa viver o mundo externo”, afirma o diretor.

Já Maria só sai até a varanda, onde uma piscina inflável vira seu refúgio. “Maria se encaixota dentro da piscina, do seu portal do prazer, onde ela consegue se refrescar do calor do Rio, relaxar. Horácio, por sua vez, quando vê Maria na piscina, tem os desejos provocados”, afirma o diretor.

Alvarenga brinca também com a luz e sombra para mostrar o estado de espírito de seus protagonistas. Dependendo dos assuntos tratados por Maria e Horácio em suas conversas íntimas, há claridade e escuridão. Quando fala do pai, por exemplo, Maria procura uma sombra para se esconder.

Outro símbolo presente no filme é a impessoalidade que se reflete no vazio dos apartamentos dos protagonistas. Maria e Pedro mal se dão ao trabalho de tirar a mudança das caixas. Já Horácio, além de seu videogame e seu Darth Vader, manteve o apartamento como foi deixado pela avó. Esses solitários desnudam suas vidas em diálogos sofridos e constroem uma história de encontros e desencontros.

E mais...

Também estreiam “Chá com as Damas”, documentário com quatro grandes atrizes britânicas: Judi Dench, Maggie Smith, Eileen Atkins e Joan Plowright; “Colette”, de Wash Westmoreland, sobre a vida da escritora e jornalista Gabrielle Colette (1873-1945); o também documentário “Maria Callas: Em Suas Próprias Palavras”, que reúne imagens raras da soprano; e “Moacir: O Santista que Conquistou os Argentinos”, que tem como tema Moacir dos Santos, um ex-interno de hospital psiquiátrico, transformista e charmosíssimo cantor de boleros, tangos e sambas, que saiu do litoral de São Paulo para viver em Buenos Aires.