Artes cênicas

Diálogos surgiram antes e seguem após a estreia da peça

Reflexões sobre representatividade e lugar de fala ocorreram durante todo o processo

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 03 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
Conversas. O ator relata que pessoas trans participaram de bate-papos para discutir a peça e que encontros seguem sendo realizados Elisa Mendes/divulgação

Durante a construção do espetáculo “Gisberta”, Luis Lobianco procurou reunir diversos olhares sobre a transexual brasileira de mesmo nome, cuja trajetória inspira o trabalho. Além de mostrar vários pontos de vista sobre a personagem, assassinada em 2006, o ator também leva para o palco experiências próprias, delineando, assim, uma dramaturgia baseada numa espécie de caleidoscópio de referências.

“Eu falo da minha infância e conto histórias de colegas. Esse é um momento que trazemos o público para dentro do espetáculo, porque há a possibilidade de existir uma identificação. Eu também não nego ali a minha verve cômica, que foi como eu fiquei conhecido. Mas o humor é usado como forma de gerar empatia”, afirma ele.

“Eu também apresento trechos do processo do caso de Gisberta, além de poesias. Eu canto músicas também, uma de Vanusa e outra de Daniela Mercury. A peça é uma colcha de retalhos, mas o centro é sempre a história de Gisberta. Os outros personagens surgem em volta dela, eles percebem vários aspectos da vida da personagem. Mas não existe na peça a fala de Gisberta em primeira pessoa. A gente achou que esse não era o caminho, justamente pela questão do lugar de fala”, completa Lobianco.

O artista comenta que houve, por parte do elenco, o questionamento em torno do fato de existir em cena um ator interpretando Gisberta – o que, ao fim, foi evitado. Sobre isso, Lobianco ressalta a importância de ter esse cuidado, mas, ao mesmo tempo, defende que o meio artístico precisa dialogar mais, a fim de compreender outros aspectos ligados a essas questões.

“Eu também sou ator LGBT e tenho uma experiência de 23 anos de teatro. A minha vida e o meu trabalho estão inseridos nesse contexto. Então, eu me sinto à vontade para falar sobre esses assuntos, porque é o que eu vivo. Agora, eu acho que a gente deve cobrar das empresas, das grandes instituições que elas abram esse espaço para as artistas transexuais. Neste momento, não é o teatro que vai capacitar essas pessoas a atuar porque esse ainda é um terreno muito difícil de se trabalhar. Nós trabalhamos nessa peça durante nove meses sem nenhuma perspectiva de dinheiro”, relata Lobianco.

Durante as temporadas realizadas no Rio de Janeiro e em Brasília, ele conta que reservou uma noite para debater esse tema. “A gente se reúne justamente para conversar sobre o lugar do ator e sobre a questão do lugar de fala. Na minha formação, por exemplo, eu aprendi que o ator não tem gênero, mas, no momento atual, isso está ganhando uma outra abordagem, e que bom que a gente está falando disso. As discussões sobre representatividade é algo que temos que trabalhar, e nós vamos levar nosso projeto adiante conscientes disso, dialogando, porque dessa forma a gente só enriquece. O que eu acho que não deve existir é a proibição, porque, assim, podemos cair no terreno perigoso da censura. Temos que conversar, porque este é sempre o melhor caminho”, diz.

Lobianco sublinha, inclusive, que algumas pessoas trans foram ouvidas durante o processo e que obteve respostas positivas delas. “A gente tem o respaldo de muitas pessoas que realmente vão ver a peça e falam que foram preocupadas com a questão da representatividade, mas, depois de verem o espetáculo, contam que ele vai para outro lugar de uma forma muito respeitosa. Acho que as críticas mais pesadas vêm de quem não viu o trabalho”, completa o ator.

No segundo semestre deste ano, quando está previsto para estrear o filme “Carlinhos & Carlão”, de Pedro Amorim, ele vai novamente tratar de assuntos ligados ao universo LGBT, vivendo um personagem que comporta-se como duas pessoas diferentes. Desta vez, o foco será o machismo e a heteronormatividade. “O filme fala sobre o fato de muita gente aceitar o gay desde que ele seja um gay heteronormativo. A gente coloca as coisas de outro jeito: surge um gay que é pintoso, se empodera e transforma a sociedade, as relações em volta dele. Ele tem orgulho de ser esse gay. O filme vai falar sobre isso e, principalmente, sobre machismo e como o homem é criado, dentro do que acham que ele pode ou não”, conclui.