Música

Documentário de ficção e realidade reforça folclore em torno de Bob Dylan

'Rolling Thunder Revue – A Bob Dylan Story' está na Netflix, e conta com a participação do próprio músico

Por Bruno Mateus
Publicado em 23 de junho de 2019 | 05:16
 
 
A pintura no rosto virou marca registrada da turnê e símbolo da “verdade” Reprodução Netflix

Logo nos primeiros minutos de “Rolling Thunder Revue – A Bob Dylan Story”, que está na Netflix, um senhor de olhos azuis tenta explicar aquela turnê nada ortodoxa, que percorreu os EUA e um par de cidades do Canadá entre outubro de 1975 e maio do ano seguinte. Ele afirma não saber, titubeia, diz que está falando bobagens para, no fim, arrematar com certo desprezo: “É só uma coisa que aconteceu há 40 anos. Eu nem me lembro da ‘Rolling Thunder’. Aquilo aconteceu há tanto tempo que eu nem tinha nascido”.

Com essa tirada típica, Bob Dylan anuncia o que vem por aí. É como dizer: vamos contar uma história, mas não garantimos que seja fiel aos fatos, e isso, na verdade, tem importância igual a zero. Ao longo de duas horas e 20 minutos, o músico e Martin Scorsese, diretor da empreitada, brincam de mágicos que subvertem a realidade e conduzem o espectador a um jogo. Se o giro da trupe de Dylan foi completamente fora dos padrões para um astro da música pop como ele já era àquela altura, o documentário “road movie” também expõe contornos ora reais, ora fantásticos.

Ficção e verdade se misturam, e o resultado é um labirinto – evidente que Dylan só aceitou dar depoimentos para o projeto se pudesse sair do papel de mero entrevistado. Ele entra no jogo, inventa histórias, confunde, atua e faz cara de querer rir do despropósito que acaba de dizer.

É preciso entender, minimamente, a trajetória de Dylan para sacar algumas pistas, como o protagonismo de Stefan Van Dorp, que teria registrado as imagens originais. Só que o homem por trás das câmeras durante os bastidores da caravana foi o próprio Bob Dylan, que dirigiu o longa “Renaldo e Clara”, lançado em 1978, mas que permanece esquecido pelo grande público, enquanto Van Dorp não passa de um papel fictício interpretado pelo ator Martin von Haselberg. 

Na estrada. Há outros truques hilários e referências deliciosamente absurdas. Com “Blood On The Tracks” e “The Basement Tapes” lançados no primeiro semestre, Dylan resolveu, como se ouvisse um conselho de Woody Guthrie, cair na estrada com músicos, amigos, poetas, admiradores, vagabundos, aproveitadores, puxa-sacos e todo tipo de gente. Teatro, desbunde, comédia nonsense, improvisos, jam sessions e aquele que foi aclamado como a voz de uma geração ao volante de um micro-ônibus: está tudo ali.

Os shows eram realizados em lugares pequenos e inusitados. Em um bingo, senhoras fumavam seus cigarros e escutavam o beatnik Allen Ginsberg declamar um poema sobre festas comunistas, vaginas, lobotomia e morte. Depois disso, Dylan senta ao piano e toca “Simple Twist of Fate”.

“Rolling Thunder” ilumina personagens como Scarlet Rivera, violonista que faz parte da trupe e tocou no álbum “Desire”, de 1976. Ela é apresentada como uma figura misteriosa, que guarda cobras e espadas em um baú. Joan Baez tem sua cota merecida de protagonismo.

Mas quem comanda a jornada é Bob Dylan, fascinante e carismático como sempre; explosivo na matadora versão de “Isis” e doce no dueto de “I Shall be Released”, com Joan. “Rolling Thunder Revue” é, sobretudo, um atestado da liberdade de um artista em constante movimento. 

Assista ao trailer de “Rolling Thunder Revue – A Bob Dylan Story”:

Álbum propõe mistura

 

Maurício Baia estava em casa arriscando melodias lentamente em seu violão em um dia chuvoso. Ao fazer uma levada de samba-canção, começou a cantar “You’re a Big Girl Now”. Percebendo que tudo havia se encaixado, harmonia e letra, o baiano – que mora em Nova York desde 2017 – teve certeza que deveria fazer um disco inteiro dedicado a Bob Dylan, que sempre exerceu forte influência sobre seu trabalho.

“Tenho uma relação de aprendizado constante com a obra dele e um enorme apreço por sua história, que segue viva e produtiva”, conta o cantor e compositor. A missão em “Baia Bossa Dylan”, disco com oito faixas lançado em maio nas plataformas digitais, foi mesclar elementos das músicas norte-americana e brasileira. Baia diz que o processo foi natural, já que em toda sua carreira ele buscou essa mescla. A presença do produtor gaúcho Sandro Albert, que mora em terras ianques há 20 anos, também foi um facilitador, assim como a presença de músicos norte-americanos e da mixagem de Kevin Killen, ganhador de oito prêmios Grammy. 

No entanto, Baia diz que “nunca tinha ouvido Dylan no universo bossa, que, no Brasil, se chama nova, mas, nos Estados Unidos, o estilo do disco é definido como modern bossa jazz”. O mérito do disco é colocar as canções em um lugar em que elas nunca estiveram para ouvintes brasileiros. É samba, jazz e bossa nova num híbrido que permeia todas as faixas – algumas delas têm um toquezinho de folk. “Não senti pressão nenhuma, pois a sonoridade é de relax music”, afirma o artista sobre a tarefa de dar novas roupagens às canções de Bob Dylan.

“Jokerman”, interpretada lindamente por Caetano Veloso, ganha uma percussão bem brasileira. O refrão, porém, tem dispensáveis backing vocals, que aparecem também em “Simple Twist of Fate”.
“Blowin’ in the Wind”, “Knocking on Heaven’s Door” e “Lay Lady Lay” são outras canções que compõem o disco. Antes de vir ao Brasil apresentar o álbum, Baia pretende realizar uma série de apresentações nos Estados Unidos. 

Disco-tributo

 

A banda Vanguart nunca escondeu que Bob Dylan é uma de suas principais influências. No próximo dia 28, o grupo mato-grossense lança “Vanguart Sings Bob Dylan”, que chega ao mercado nas plataformas digitais, em CD e em compacto de vinil com três músicas: “Blowin’ In The Wind” (1963), “Don’t Think Twice, It’s All Right” (1963) e “Tangled Up In Blue” (1975).

O repertório foca na produção dos primeiros 15 anos de Dylan e traz clássicos como “Hurricane”, “Just Like a Woman” e “The House of the Rising Sun”. Os quatro integrantes da banda se revezam nos vocais, mas a maioria fica a cargo de Helio Flanders e Reginaldo Lincoln.