“Passageiros”

É ruim, mas a culpa não é das estrelas

Carisma de Chris Pratt e Jennifer Lawrence não salva roteiro e direção ruins

Por Daniel Oliveira
Publicado em 05 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
Diálogos. Lawrence tenta, mas sofre com uma personagem inverossímil e de diálogos ruins Sony / Divulgação

A principal diferença entre um grande ator/atriz e um astro/estrela se resume em uma palavra: carisma. Um bom intérprete nem sempre é carismático. E um astro não é necessariamente um Laurence Olivier, mas é capaz de carregar um filme com magnetismo: a câmera – e o público – gosta dele.

“Passageiros”, que estreia nesta quinta-feira (5), é protagonizado pelos dois maiores astros de Hollywood do momento: Chris Pratt e Jennifer “J-Law” Lawrence. E é a prova definitiva de que nem os atores mais carismáticos do mundo conseguem salvar um roteiro boçal, um romance equivocado e uma direção burocrática.

O filme acompanha Jim Preston (Pratt), passageiro de uma nave rumo a um novo planeta colonizado por humanos, cuja câmara criogênica falha e o faz acordar 90 anos antes do previsto. Um ano depois, Aurora (Lawrence) também é acordada. E, sozinhos, sem poderem voltar ao sono espacial, os dois se apaixonam.

Esse romance é a grande razão de ser do longa. E o fato de que ele é, no mínimo, moralmente questionável é um dos vários problemas da produção. Porque, ao contrário do que o marketing do filme afirma, não existe “um motivo para os dois terem acordado”. Existem dois, diferentes.

E o roteiro de Jon Spaihts (“Doutor Estranho”) flerta, muito superficialmente, com as questões éticas envolvidas nisso. Mas desiste no final, porque elas são muito complexas. O que vem a ser exatamente o mesmo que ele faz com o mistério sobre o mau funcionamento da câmara de Jim: sugerir uma grande conspiração, que tornaria o longa bem mais interessante, e resolver tudo da forma mais banal e óbvia possível.

A direção do fraco Morten Tyldum (“O Jogo da Imitação”) não melhora isso. Se quiser entender a diferença entre um grande cineasta e um artesão competente, bastar comparar o trabalho de Alfonso Cuarón em “Gravidade” com o do sueco em “Passageiros”: um faz você sentir que está no espaço sideral, o outro liga a câmera e grita “ação!”.

A comparação também se aplica à performance de Pratt. Sozinho em cena por todo o primeiro ato, ele tem que carregar o filme à la Matt Damon em “Perdido em Marte”. Só que, com um roteiro infinitamente pior, o ator recorre à única ferramenta que possui: carisma. E carisma não melhora um roteiro ruim – um bom ator, como Damon, sim.

Quando Lawrence entra em cena com seu estilo “furacão” de atuação, “Passageiros” ganha um bem-vindo sopro de vida. Mesmo mostrando que está – com o perdão do trocadilho – anos-luz à frente do parceiro, porém, Aurora se revela uma jornalista ridiculamente inverossímil, que sofre com as piores falas do roteiro. O off em que ela explica o título do longa, como se fosse o insight de uma grande escritora, é de uma banalidade dolorosa.

Os dois astros, ao menos, não têm o trabalho inglório de Michael Sheen e Laurence Fishburne, fazendo uns trocados como dois não personagens que só servem de ferramenta na história dos protagonistas. E, como aquela sua tia que achou que ia salvar uma salada que já não era muito boa acrescentando passas, os produtores tentam salvar o filme com uma sequência de ação boba e derivativa no final – que extingue qualquer lógica ou credibilidade restante para Aurora. E a trilha de motel de Thomas Newman busca ressaltar o romance, mas acaba com qualquer ilusão de “espaço” que o longa tenta criar.

Um mérito, porém, deve ser reconhecido na direção de Tyldum: ele consegue fazer o espectador se sentir, assim como os protagonistas, preso na situação mais entediante e infindável do universo. Só que a sua talvez tenha saída. 

FOTO: Sony / Divulgação
Dupla. Lawrence e Pratt são os maiores astros de Hollywood hoje