Literatura

Editores e marginais 

Livro e exposição revisitam importantes momentos de publicação no país

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 09 de setembro de 2013 | 03:00
 
 
ED. AUTENTICA

Os formatos variam de um extremo a outro: do uso cuidadoso dos tipos móveis ao texto datilografado e reproduzido no mimeógrafo, são diversas as iniciativas de impressão e circulação de textos empreendidas por editores e poetas, no Brasil, a partir da década de 1950. Ainda que um projeto se diferencie do outro ao longo do tempo, o desejo de abrir espaço à poesia é um traço comum nos trabalhos de autores, desde a Geração de 45, como João Cabral de Melo Neto, até os poetas marginais que trouxeram outras formas de levar sua produção poética ao público a partir dos anos 1970.

 

Tal trajetória é revisitada pelo livro “Editores Artesanais Brasileiros”, de Gisela Creni, lançado recentemente, e pela exposição “Poesia Marginal – Palavra e Livro”, cuja curadoria é do poeta e ensaísta Eucanaã Ferraz e que está em exibição no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro.

Interessada na contribuição de João Cabral de Melo Neto (1920-1990), Manuel Segalá (1917-1958), Geir Campos (1924-1999), Thiago de Mello, Pedro Moacir Maia (1929-2008), Gastão de Holanda (1919-1997) e Cleber Teixeira para a cena literária brasileira, Gisela Creni observa como esses editores, ao priorizarem a poesia, abriram possibilidades para novos nomes que buscavam se afirmar no gênero.

“Naquele tempo como agora, autores iniciantes, principalmente poetas, tinham dificuldade em encontrar editoras comerciais dispostas a investir em pessoas desconhecidas do grande público. Essa prática dos editores artesanais de abrir casas editoriais para lançar suas próprias obras remonta, no nosso país, aos autores modernistas, que se autopublicaram na década de 1920”, diz Gisela Creni.

Autor do ensaio que analisa o movimento em torno do trabalho de escritores mais conhecidos de 1970 em diante – como Chacal, Nicolas Behr e Guilherme Mandaro –, acolhido no catálogo da exposição do Instituto Moreira Salles, Frederico Coelho reconhece o mesmo objetivo no grupo batizado marginal. No entanto, ele observa como a ruptura estética pretendida por eles com os seus predecessores também aparece refletida no modo como eles escolhiam os meios para tornar pública sua poesia, nem sempre, no primeiro momento, calcados apenas no objeto livro.

“A artesania entre eles e os seus predecessores também é frequente, mas em condições muitos mais precárias do que em relação ao trabalho de João Cabral de Melo Neto, por exemplo. Quando Guilherme Mandaro e Chacal fizeram livros mimeografados é óbvio que eles não se inspiraram na editora de João Cabral. Mas há ali também essa vontade do escritor ter seu próprio meio de produção”, afirma.

“Se compararmos o acabamento que cada um dá à sua poesia também podemos entender melhor a forma como ela é veiculada. Cabral prezava pelo acabamento dos seus textos, então era natural que ele optasse pelo objeto livro artesanal e rigorosamente realizado. Já Chacal não estava preocupado com essa lapidação e a escolha pelo mimeógrafo diz muito do que ele pensava em relação à poesia naquela época e do alcance que esperava do que produzia”, reflete.

Sobre o processo artesanal, Gisela Creni lembra que isso aproximou autores estreantes de jovens artistas plásticos, o que contribuiu para fortalecer o significado do livro como objeto estético e cultural. Por outro lado, a geração posterior, na visão de Coelho, radicalizava o princípio, reinventando o meio que ganhou edições grampeadas à mão ou construídas apenas se juntando folhas esparsas num envelope de papel pardo.

“A geração de 45 entendia o livro como algo quase ‘aurático’, importava muito a qualidade do produto impresso. Já os poetas marginais trouxeram outra atitude em relação a isso, praticando a artesania, mas em outras vias. A Geração Mimeógrafo tomou esse meio como princípio de um pensamento, mas não o seu fim. Não raro eles tiveram livros publicados por editoras depois”, diz o ensaísta Frederico Coelho.