Literatura

Em busca de livre acesso 

Livros infantis conquistam espaço, mas ainda encontram limitações no mercado brasileiro

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 11 de maio de 2014 | 03:00
 
 
Destaque. Roger Mello, autor dos trabalhos publicados nos livros “Meninos do Mangue” e “Carvoeirinhos”. O primeiro venceu o prêmio Jabuti de melhor livro infantojuvenil em 2002. Roger Mello

Há pouco mais de um mês, a Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, realizada na Itália, homenageou o Brasil, que ali foi representado por diferentes gerações de escritores e ilustradores, como o veterano Ziraldo e o aclamado Roger Mello. O segundo, inclusive, conquistou o prêmio Hans Christian Andersen por suas ilustrações – algo inédito entre os brasileiros, embora as autoras Ana Maria Machado e Lygia Bojunga já tenham sido prestigiadas pelo mesmo certame, na categoria escritor, em edições anteriores.
 

O fato de Mello, que atualmente se encontra em viagem pelo Japão, ser ressaltado entre muitos outros nomes de várias parte do mundo chama atenção para a maneira como os livros infantis brasileiros conquistam espaço internamente e fora do país de maneira crescente. É unânime a percepção de que a qualidade gráfica e visual dos livros, além do volume de publicações, vêm aumentando desde a década de 1980, quando o mercado desse nicho era radicalmente menor. Contudo, limitações como a dificuldade de distribuição e de acesso aos livros ainda são relatadas por quem os produz, apesar do cenário moldado por novas oportunidades.

Na ativa como ilustradora há quase 35 anos, a serem celebrados em 2015, Ana Raquel, que criou desenhos para obras emblemáticas, como a “Bonequinha Preta”, de Alaíde Lisboa (1904-2006), recorda como nas últimas três décadas houve um “boom” no segmento. “Até os anos 1980, havia pouca literatura brasileira infantil disponível para os leitores. A grande maioria dos títulos era importada. Naquela época, se conhecia todo mundo que atuava nesse ramo, hoje é notável a explosão da área com muita gente nova e boa trabalhando”, afirma Ana Raquel.

Ainda que a dinâmica atual seja atraente, de acordo com ela algumas práticas pouco profissionais persistem revelando outros aspectos desse quadro. “Encontramos ainda editoras que praticam contratos que pouco valorizam, por exemplo, o trabalho dos ilustradores. Há também uma dificuldade de distribuição dos títulos que muitas vezes só alcançam alguns públicos caso exista um profissional capaz de fazer a ponte entre as obras e os leitores, que são aqueles que estão nas escolas. O papel do divulgador é importante, mas o modo como isso é feito hoje é que preocupa”, pontua a ilustradora.

Governo. Outra questão incômoda desse contexto está paradoxalmente vinculada a um dos maiores propulsores da difusão dos livros infantis: as compras realizadas pelo governo. De acordo com dados divulgados no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) destinou cerca de R$ 86 milhões para a aquisição e a distribuição de criações literárias para as escolas públicas de nível fundamental e médio no ano passado.

Se por meio desse mecanismo é possível expandir o alcance de uma obra que pode passar a circular em lugares onde sequer existem livrarias e bibliotecas, por outro lado há o problema de ele se tornar o principal critério para avaliar o surgimento de outras publicações. “Complicado é quando os editais se tornam uma exigência e algumas editoras chegam até a abdicar de projetos que não tenham as características apontadas por esses instrumentos. Ter uma obra aprovada em um desses programas é gratificante para todo mundo, mas, às vezes, esbarramos na questão das escolhas. Alguns trabalhos com temas e poéticas próprias podem sentir a intervenção de outros demandas”, observa Renata Bueno, ilustradora que venceu o prêmio Jabuti, na categoria livro didático e paradidático, com “Poemas Problemas”, em 2013.

Sobre isso, o escritor Alex Gomes acrescenta que reflexos do impacto dos dispositivos de incentivo à leitura, existentes desde a década de 1990, podem ser percebidos não apenas na oferta, mas também em relação à escassez de alguns formatos específicos. “As coleções de livros infantis são algo que praticamente morreram. No passado, algumas chegavam a ter 30 volumes. Agora, conseguir publicar algo desse tipo por meio de uma editora é muito difícil porque parte delas está preocupada em colocar em circulação aquilo que o governo compra, e as coleções não estão entre as prioridades dos editais públicos”, diz Gomes.


Comparativo
14,6 milhões foi o aumento da quantidade de livros infantis vendidos no Brasil entre 2011 e 2012. De acordo com a pesquisa, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato dos Editores de Livro, no primeiro ano foi atingida a marca de 17,43 milhões de exemplares adquiridos. Em 2012, houve um salto para 32,03 milhões.