Teatro

Em Tiradentes Matheus Nachtergaele se aventura na direção

Conhecido pela excelência como ator no teatro, cinema, e TV, Matheus Nachtergaele se aventura na direção

Por gustavo rocha
Publicado em 20 de maio de 2014 | 03:00
 
 
Diretor. Nachtergaele orienta o grupo Entre&Vista Rede Globo/ divulgação

O aqui e agora, essencial ao teatro, traz para Matheus Nachtergaele um efeito de comunhão que se assemelha aos ritos mais primitivos do homem. Para ele, quando há o encontro entre intérpretes e seu público no mesmo tempo e espaço, o teatro pode provocar identificações catárticas singulares, que, às vezes se assemelham à religião. Em processo de criação de seu primeiro trabalho como diretor teatral, “O País do Desejo do Coração”, Nachtergaele espera que seu público sinta justamente essa comunhão.
 

Um ensaio aberto – com “boa parte dos elementos: cenário, luz e figurino” – será apresentado no próximo sábado, último dia do Tiradentes em Cena, festival de teatro da cidade que está em sua segunda edição. “Creio que o teatro seja uma experiência ritualística sem o dogma. Será possível uma peça ser uma grande peça, sem ser uma grande cerimônia? Todas elas viram ritual”, garante ele.

O texto escolhido para desbravar esse novo mar da direção é do irlandês William Yeats, que propõe o embate das crenças populares e as cristãs. “Um padre vai fazer uma visita de honra numa fazenda e os moradores preparam o que tem de melhor para oferecer a ele. Nessa casa, existe um casal mais velho e outro formado por seu filho e a esposa, Mary, que aparentemente não é daquele lugar, talvez de Dublin. Ela não se adapta muito bem àquela vida interiorana e encontra um livro na choupana, que revela histórias de duendes e fadas. A peça se passa num curto espaço de tempo em que todos se colocam a criticar a conduta de Mary, sua postura de não ser uma mulher ‘útil’ naquela casa, sem trabalhar e vivendo de sua imaginação. E ela acaba por invocar as fadas e elas aparecem. O que se segue é um desfecho trágico nesse embate entre a crendice popular e a cristã”, descreve Nachtergaele.

O diretor, aliás, compara – guardadas as proporções – Yeats a Shakespeare. De fato, existem características comuns entre eles: o irlandês, assim como gênio britânico, foi responsável por ser autor de numerosos textos para o teatro e também por manter, na Irlanda, um grupo de teatro que montava seus textos numa casa de espetáculos. Parecido com o que Shakespeare preconizou com seu Globe Theatre.

“A Irlanda é um país fascinante. Deu ao mundo James Joyce, Bernard Shaw, Yeats, mas é uma espécie de interior da Inglaterra. É como se fosse São José do Rio Preto (cidade com produção cultural bastante fecunda no interior paulista) em relação a São Paulo, a capital”, analisa Nachtergaele

REENCONTRO. A montagem de “O País do Desejo do Coração” é um antigo desejo do artista, que, desde sua formação, tinha na obra de Yeats uma grande referência. “O Yeats foi criado numa família abastada, protestante, criado com bastante normas religiosas e ao mesmo tempo ele se encantou com as fábulas e coisas das pessoas simples do interior. Esse fascínio pelas fábulas fez com ele previsse e inaugurasse o simbolismo”, diz.

Não foram poucas as tentativas de levar o texto do autor irlandês para a cena. Em 1995, após fazer “Woyzeck”, com os paraibanos do Grupo Piolin, veio a ideia. “Eu estava morando no Rio, cheio de coisas e eles na Paraíba. Ficou difícil arranjar uma agenda”, lamenta ele. Depois disso, Nacthergaele decidiu emprestar seu livro “de estimação” ao amigo e cineasta Cláudio Assis que, segundo ele, “queria fazer um filme menos porrada para os filhos”. “O maluco do Assis não só não fez o filme, como perdeu meu livro”, se diverte ele.

A oportunidade para levar a trama à cena reapareceu em Tiradentes, cidade que o artista ama desde sua primeira passagem por lá. O trabalho foi desenvolvido juntamente com o Entre&Vista, único grupo de teatro da cidade. “Essa peça é perfeita para ser montada em Tiradentes. Quer coisa mais mineira que essa discussão familiar religiosa em uma mesa farta?”, indaga.

TEATRO AMADOR. A relação, no entanto, com os integrantes do grupo e seus familiares não foi tão fácil. “Eles são um grupo amador. As pessoas trabalham durante do dia e eles somente se encontravam aos sábados. Começamos a ensaiar todos os dias à noite. Eles ficavam muito cansados, tiveram problemas nos empregos e também em casa. É difícil explicar que a gente precisa ensaiar todos os dias, as pessoas não entendem. Por isso, gente de teatro costuma casar entre si. Facilita a vida”, se diverte.

Apesar disso, o processo criativo conseguiu se desenvolver: “Eu percebo neles um desejo enorme. O teatro é isso: a arte do tempo e do espaço, e você usa seu corpo e sua memória para desenvolver uma técnica. Isso toma tempo”, destaca ele.

Ainda assim, o processo de criação do espetáculo – que tem estreia prevista para julho, em Tiradentes – é celebrado pela fusão de elementos que são caros ao diretor: a obra de Yeats e a cidade de Tiradentes. “Eu não sou um cara místico, apesar de tudo que já aconteceu em minha vida, mas essa foi a maneira mais bonita de se acontecer. O teatro é uma cerimônia laica, por excelência, mas eu já incluo o ritual quando falo em cerimônia”, conclui o “nada místico” diretor.