Comportamento

Fronteiras da ficção 

Autores transitam por diferentes áreas e concebem histórias que travam diálogos com outras artes a partir da estrutura de uma narrativa expandida

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 30 de novembro de 2014 | 04:00
 
 
Obras. Ismael Canepelle vai lançar em 2015 o livro “A Baleia”, que foi escrito após fazer o roteiro do filme homônimo Tuane Eggers

Ismael Caneppele, em 2015, deve retomar o trabalho de ator no teatro, além de apresentar um novo romance e acompanhar as gravações de um filme baseado em roteiro assinado por ele. Para o gaúcho, radicado em São Paulo, essa diversidade de áreas de atuação faz parte de um processo criativo que lhe parece algo bastante orgânico e intuitivo. Mas, além disso, revela também o modo como é cada vez mais comum um tipo de construção narrativa que surge apoiada em diferentes linguagens e mídias.
 

O seu livro “A Baleia”, por exemplo, vai sair no próximo ano paralelamente à filmagem do longa-metragem homônimo a ser rodado por Esmir Filho, com quem também fez uma parceria ao levar para as telas, em 2009, a adaptação de “O Famoso e Os Duendes da Morte”, sua segunda ficção.

De acordo com ele, a história apresentada em “A Baleia” nasceu após produzir um roteiro para o cinema que mantém com aquela uma trama semelhante, mas as duas são guiadas por pontos de vista diferentes.

“Enquanto o filme aborda a reação do ser humano frente a situação de dificuldade representada pelo encalhe de uma baleia, no livro eu tive a ideia de trabalhar o mundo interior desse personagem diante do seu obstáculo. Há um transbordamento de linguagem nisso. Não é um livro do filme exatamente, mas quando você vê e lê aquelas narrativas é possível entender melhor porque a baleia está naquele lugar”, diz Caneppele.

Vencedor do prêmio Machado de Assis, oferecido pela Academia Brasileira de Letras, com “Os Famosos e Os Duendes da Morte”, ele conta que utilizou o recurso para participar de uma residência em Berlim, em 2011, onde teve a ideia de produzir o livro. Mais recentemente, ao compor as músicas de um disco, ele enxergou a possibilidade de criar o texto que venceu neste ano o prêmio Funarte de Dramaturgia. Esse vai dar origem a “Corte Seco”, monólogo que quer montar em 2015.

“Eu fiz aquelas músicas pensando numa voz feminina. Disso me veio a imagem de um homem que queria interpretar como uma cantora. Assim, eu comecei a pensar numa história que percebi ser possível de realizar no teatro. Seria um monólogo, em que eu conto esse processo de transição entre gêneros, quando o cantor aos poucos assume a identidade de uma mulher”, explica o autor, ator e dramaturgo.

Outro que vem experimentando algo semelhante é o escritor e ator mineiro Adriano Gilberti. Prestes a lançar seu primeiro romance “Cartas para Palavra”, também em 2015, ele conta que o título deverá sair junto com um site, no qual os leitores vão poder acompanhar uma websérie dividida em cinco capítulos. “A intenção é criar um elo entre os dois, em que o material audiovisual complementa o que eu narro no livro”, afirma Gilberti.

Radicado em São Paulo, ele afirma que vem a Belo Horizonte finalizar a edição dos episódios criados para sublinhar o tom de mistério em torno da trama permeada por elementos de ficção científica. “O livro tem como protagonista o poeta Miguel. Quando se separa de Priscila, ele percebe que sua criatividade também vai embora. Ele depois começa a receber cartas de uma remetente chamada Palavra e se corresponde com ela. Esse material é depois descoberto no futuro, em 2095, provocando o interesse daquelas pessoas pelo personagem e pelo nosso presente”, antecipa ele.

Estudiosa da área de literatura e outras mídias, Camila Figueiredo observa que esse movimento chama atenção porque até pouco tempo atrás não se observava essa relação com obras literárias, sendo mais comum a prática de uma narrativa expandida no cinema e nas séries de TV. “Isso era mais raro especialmente nas produções nacionais. Os exemplos maiores que temos são todos de iniciativas audiovisuais que foram conduzidas no exterior”, pontua.

Para Camila, isso reflete uma lógica de trabalho que se inspira na tendência das criações transmídia. “Isso muda a forma de criação dos produtos culturais e os artistas vão assumindo um perfil multimídia”, diz.