“Missão: Impossível – Efeito Fallout”

Improvisando o improvável

Encabeçado por Tom Cruise, sexto filme da saga tem diálogos capengas, mas as melhores sequências de ação do ano

Por Daniel Oliveira
Publicado em 26 de julho de 2018 | 03:00
 
 

“Missão: Impossível – Efeito Fallout” é como um musical, em que o ator principal machuca o pé no meio da coreografia e precisa improvisar um novo número, no calor do momento, para salvar o filme. É isso que Ethan Hunt (Tom Cruise) faz o tempo inteiro – e a tensão de ver um acidente fatal se transformar em uma manobra circense é o que carrega o filme que estreia hoje.

O longa é um daqueles em que nenhum plano corre como o previsto. Nada é o que parece ser, e tudo (e todos) é uma fachada escondendo sua real natureza. Nas palavras da CIA, “é um halloween com um monte de homem brincando de fantasia”, enquanto o protagonista se estropia para salvar o mundo. E é exatamente para isso que o público paga o ingresso.

A trama é um desdobramento (o “fallout” do título) direto do capítulo anterior. Com o fim do Sindicato, os discípulos do anarquista Solomon Lane (Sean Harris) – autodenominados “apóstolos” – vão atrás de três ogivas de plutônio para um ataque nuclear. E Hunt e sua patota devem detê-los, sob a vigilância do brucutu da CIA August Walker (Henry Cavill), e com a agente Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), sempre à espreita com objetivos próprios. 

É claro que isso é mera desculpa para uma caçada de escala global, Tom Cruise saltando de prédios e aviões a mil metros de altura e uma perseguição de helicópteros no meio das montanhas do Paquistão. Se em “Nação Secreta”, o diretor Christopher McQuarrie se inspirou em Hitchcock e nos espiões dos anos 40, “Fallout” é descendente direto da ação implacável e do desencantamento institucional de “Operação França” e afins nos anos 70. E o que diferencia o longa estrelado por Cruise desses clássicos é a qualidade do roteiro. 

“Fallout” é um filme que só funciona quando engata a quinta marcha e acelera a 300 km/h. Nos momentos de ação (e eles são muitos), a produção é empolgante, deliciosamente inverossímil e absolutamente divertida – o melhor exemplar do gênero em 2018. Mas quando bota o pé no freio para explicar a trama, ou um momento intimista e focado nos personagens, os diálogos são sofríveis. 

A meia hora inicial é um desfile de bons atores, como Angela Bassett e Alec Baldwin, declamando longos monólogos expositivos. E o troca-troca engraçadinho entre Simon Pegg e Ving Rhames é meramente irritante. 

Nesses momentos em que a deficiência do roteiro fica clara, bons atores fazem toda a diferença. É por isso que, mesmo sutilmente escanteada após roubar o longa anterior de Cruise, Rebecca Ferguson continua um dos melhores elementos da série. E que Henry Cavill é o ponto fraco do filme. O galã britânico é um exemplo perfeito da diferença entre um ator (Daniel Day-Lewis) e alguém que decora falas (Cavill) – enunciando todas as facetas de Walker com a mesma cara e entonações de seu Superman. 

Mas “Missão: Impossível” pertence, desde o início, a Tom Cruise. E “Fallout” quer deixar isso bem claro. Tudo no filme é uma desculpa para botar o astro a um milímetro da morte certa, correndo e saltando na sua eterna sequência de testes para um Cirque du Soleil do inferno, com sua expressão de “salvar o mundo é tão difícil, mas no fundo, no fundo, eu amo pra caramba”. 

“Fallout” é um longa desinteressado e descolado da realidade – a não ser que você entenda que terroristas antirreligião e agências de inteligência que não podem ser confiadas são uma piscadela para os seguidores de Trump. O filme se passa na realidade de Cruise, em que um astro enviado pelo deus ET da Cientologia sempre vai salvar o mundo nos 45 do segundo tempo. E, ao menos por duas horas e meia, isso é bem melhor e mais divertido que a realidade em 2018.