Perfil

Jhê Delacroix não tem limite

Contadora de histórias, atriz, artista plástica, compositora e cantora, ela nasceu no Rio, mas adotou BH há 4 anos

Por Raphael Vidigal
Publicado em 09 de março de 2017 | 03:00
 
 
Jhê Delacroix, de 28 anos, passeia pelos diversos caminhos da arte Douglas Magno

Ela imitava Sandy e Simony e ouvia Daniela Mercury, não necessariamente ao mesmo tempo. Enquanto a mãe cuidava da arrumação da casa, ela “escutava uma gama imensa de música de determinado estilo”, o que era sucesso à época, como a dupla sertaneja Zezé di Camargo & Luciano. “Não nasci Clarice Lispector por pouco”, confessa ela, que, ao ser questionada sobre o nome artístico, responde como a autora de “A Maçã no Escuro”. “É segredo, só as crianças sabem”, ri.

Assim Jhê Delacroix, natural de Niterói, no interior do Rio de Janeiro, e radicada em Belo Horizonte há quatro anos, mantém o mistério e não entrega pistas de “parentesco” com o pintor francês famoso por telas políticas, de que o maior exemplo é “A Liberdade Guiando o Povo”. Mas deixa claro que, com seus 28 anos e a “alma lavada sem ter onde secar” – para parafrasear Cazuza –, navega entre a irreverência e a preocupação histórica.

De volta à meninice, Jhê recorda seus primeiros tempos. “Sempre amei escutar música e, como também tinha essa aptidão, imitava os artistas para os meninos mais velhos pra poder enturmar”.

Multiartista. Daí, ela já parte para o futuro. Cantora, atriz, bailarina, assistente social, artista plástica, contadora de histórias, escritora e tudo o mais que englobe a arte, como se verá a seguir, a multifacetada Jhê foi um dos destaques do Carnaval de Belo Horizonte.

Venceu neste ano o Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, com “Baile do Cidadão de Bem”, como intérprete e coautora. Detalhe: é a primeira compositora a levar o prêmio. “Acho importante ter uma mulher num concurso de marchinhas. Aliás, acho importante ter a mulher em qualquer espaço porque não é só homem que faz música e letra de qualidade. A gente está aí pra provar isso”, sentencia.

A marchinha que venceu o concurso é uma parceria dela com Helbeth Trotta. De acordo com Jhê, ele já havia pensado na letra e na melodia. “Trotta me chamou para ser intérprete, e numa conversa percebemos que poderíamos colocar algumas outras coisas na letra, mudar outras. Acabou virando parceria”, relembra.

Brasil-África. Atualmente, Jhê toca vários projetos, mas assume um “carinho e amor especial” pela iniciativa Kriol, em que, ao lado do músico Paulim Sartori, interpreta canções de origem crioula cabo-verdianas. Não há economia nos elogios para o parceiro.

“Paulim é um multiinstrumentista maravilhoso, um músico extraordinário, dedicado e, além de tudo, o melhor amigo”, afiança. As músicas “Tchápu na Bandera”, “Dispidida”, “Batanga”, “Febri Funaná” e outras podem ser conferidas nas redes sociais e nas plataformas digitais.

Tendo-se apresentado na Virada Cultural da cidade no viaduto Santa Tereza e com clipe gravado, Jhê e Sartori já receberam retorno, inclusive, de pessoas naturais do país inspirador, marcado por lutas pela independência e autossuficiência.

“A África é um continente tão nosso irmão, então a nossa tentativa é de aproximar mais Cabo Verde do Brasil, afinal de contas tem muito cabo-verdiano aqui. É um projeto muito bonito, que procuramos fazer com aquela pitada, por assim dizer, do nosso tempero brasileiro”, conceitua a artista.

Além disso, no disco, que deverá ser lançado em breve, há “músicas autorais que também conversam com o estilo cabo-verdiano”, pontua Jhê. E não para por aí, pois ela também quer “jogar no mundo outras canções minhas”, promete.

Música pra cachorro. Influenciada por “Björk, música brasileira e com uma queda pela eletrônica”, a artista tomou a iniciativa que terminou na serenata à cadela da raça rottweiler Raissa, que assistia da sacada de sua casa ao desfile do bloco Manjericão na Quarta-Feira de Cinzas.

Ao ver o olhar atento de Raíssa observando o cortejo, Jhê decidiu cantar “Carinhoso”, de Pixinguinha, em “cachorrês”, a fim de que ela entendesse o recado (no caso, “au-au-au”). Começou sozinha e terminou acompanhada por todos, ato registrado em vídeo que viralizou na internet. Raíssa pareceu curtir, pois seguiu acompanhando até o término a cantoria. “Meu maior desejo é que o cachorro tenha realmente entendido a mensagem. Foi transcendental.”

 

Arte & política

O Carnaval feminista de Jhê Delacroix

FOTO: Douglas Magno
Can-triz. Jhê Delacroix integra a Orquestra Mineira de Brega

Ainda quando morava no Rio de Janeiro, Jhê Lacroix participou de espetáculos do Teatro do Oprimido, método concebido pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal, falecido em 2009, e que almejava, dentre os princípios, democratizar os meios de produção do teatro e promover o acesso das camadas sociais menos favorecidas, instando à transformação da realidade através deste diálogo.

“A arte é essencial, porque é a beleza, tem o dom de salvar vidas. A arte faz sorrir. E se a gente não sorrir, a vida é só trabalho. A vida é pra fazer arte”, diz Jhê, que também faz parte da Orquestra Mineira de Brega, onde canta “músicas de raiz que alegram pessoas”.

Militante e ativista em várias frentes, ela não descola o seu tempo de sua arte. “A política influencia no meu trabalho a partir do momento que eu, como artista, percebo a carência de cultura. Eu vejo que a cultura, por exemplo, abarca determinado tipo e nicho musical e segrega outros. E a preferência é preponderantemente para os que estão na grande mídia, os comerciais. Exemplo é quando a gente tem um evento na cidade, é pago um valor mínimo para as bandas locais, quando para outros grupos, desses enormes, sertanejos universitários é dado uma fortuna. Estou no movimento, como artista, de levar a música para o público e de questionar e repensar essa política. Música pra quem?”, indaga.

Militante. Ativa nas redes sociais, Jhê estende os seus movimentos até a vida das pessoas. Formada em assistência social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ela trabalha com artes plásticas na saúde mental para a Prefeitura de Belo Horizonte, no Centro de Convivência César Campos.

Em 2015, ela incentivou Roberto Nascimento, antigo morador de rua, a se tornar poeta, com o lançamento da coleção de cordel “O Poeta Ambulante I e II”. “Também sou contadora de histórias e isso é uma coisa que me fascina. Tenho histórias autorais que valorizam as frutas brasileiras, o Brasil, palavras brasileiras, e eu gosto muito disso, pra mim é envolvente, é emocionante contar histórias para crianças e adultos”, orgulha-se.