“Ninfomaníaca – Volume 2”

Joe mergulha em novas e extremas experiências  

Novos capítulos ajudam a entender a personagem e a moral da sociedade

Por Ludmila Azevedo
Publicado em 13 de março de 2014 | 03:00
 
 
Desconhecido. A protagonista propõe sexo a dois homens cujo idioma não consegue compreender california filmes/ divulgação

Quando a primeira parte de “Ninfomaníaca” se encerra, Lars von Trier exibe um videoclipe no qual alguns “aperitivos” estarão contidos nesta segunda parte que estreia hoje nos cinemas. O dinamarquês, contudo, consegue “enganar” até o espectador mais esperto. O que se verá dos três capítulos que seguem até o desfecho vai além da busca de satisfação do desejo sexual incontrolável de Joe (Charlotte Gainsbourg), como aquela edição ágil possa sugerir.

“Ninfomaníaca – Volume 2” diz muito sobre ela, mas talvez diga mais sobre Seligman (Stellan Skarsgård), o homem que a resgatou machucada num beco, a acolheu e se dispôs a ouvir sua história. Intercalando análises em tons ora psicanalíticos ora cartesianos dos fatos relatados por Joe, ele se mostra quase isento, buscando não cair na maior das tentações: a do julgamento moral. Num contraponto à racionalidade do intelectual solitário, a melancolicamente insaciável personagem o confronta: não havia nele nenhuma dose de excitação ao ouvir aqueles relatos?

Confrontos. Os embates dos personagens, já “velhos conhecidos” de uma madrugada extensa – tempo em que a ação se desenrola de maneira pouco linear – serão recorrentes e decisivos. Os capítulos seguem escritos utilizando elementos avulsos do quarto de hóspede ocupado por ela, como uma mancha na parede que lembra uma pistola (bem diferente de um revólver, sugere Joe).

Alguns ícones, após explanações didáticas de Seligman, darão margem ao título como o seis que faz referência à diferença das igrejas ocidental e oriental (Joe acrescenta o “Pato Silencioso” como mais uma provocação). Enquanto uma tem a base na alegria, a outra preconiza a flagelação para se atingir uma espécie de elevação.

Com a maturidade (a atriz Stacy Martin, a Joe jovem dá lugar a Gainsbourg), as vivências da personagem adquirem um caráter multifacetado e as interrupções de ambos para questionar ou retomar episódios importantes que não vieram à memória na primeira parte, como o primeiro orgasmo de Joe, aos 12 anos, no alto de uma montanha, são frequentes.

Elementos tão arraigados no cristianismo como a culpa e o ritual irão marcar essa fase de Joe. Ela tenta se enquadrar ao modelo de família ao decidir viver junto com Jerôme (Shia LaBeouf), aquele que à maneira dela representa algo mais próximo do amor (que ela nega no primeiro volume). Mas a ideia do sacrifício permeia essa escolha que se mostrará forçada, não natural.

É quando, mais uma vez, a protagonista estabelece, de modo consentido, uma vida paralela atrás de novas experiências, como um confuso ménage à trois com dois homens que falam um idioma que ela não consegue traduzir. Até que, enfim, parte para uma jornada solitária motivada por uma rotina sadomasoquista.

O que Lars von Trier nos mostra é esse mergulho no desconhecido, como no trecho de “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire: não importa se é céu o inferno, o que Joe quer é o novo. Nesse processo, refuta o conceito de ser meramente uma viciada em sexo. Joe não só enche a boca para assumir-se ninfomaníaca como ignora qualquer viés politicamente correto proposto por seu interlocutor.

Quando diz a Seligman que uma das características marcantes da humanidade é a hipocrisia, ela sabe que se trata de uma fresta para que logo adentre algo pior como a crueldade.

Assim como Grace (Nicole Kidman) percebeu em “Dogville” (2004), Lars von Trier coloca Joe em conexão com o conceito filosófico de que o homem pode até nascer bom, mas será invariavelmente corrompido pelo seu meio. Ela sabe disso, mas não se surpreende.

Banido

O “Volume Um” do filme de Lars von Trier foi proibido na Turquia, e o “Volume Dois” na Romênia. Antes mesmo de ser lançado, “Ninfomaníaca” já colecionava desafetos. Ontem, o site de “O Globo” publicou que o filme também não sairá em blu-ray no Brasil, a exemplo de “Azul É a Cor Mais Quente”, de Abdellatif Kechiche.